São Paulo, Quinta-feira, 07 de Janeiro de 1999
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LIVRO LANÇAMENTO
Bacon - "A Brutalidade do Fato" traz novas verdades sobre o artista


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

O pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), um dos grandes sucessos da última Bienal de São Paulo, não era de muitas palavras. Não se recusava a dar entrevistas, mas se portava de maneira lacônica e evasiva. Também não se preocupava com a profundidade das respostas.
Bacon insistia ainda em justificar tudo o que acontecia em sua produção artística com o acaso e, assim, fugir de definições mais precisas sobre seu trabalho.
Coube então à insistência do entrevistador David Sylvester e ao seu profundo conhecimento da obra de Bacon (foram amigos por mais de 50 anos) o mérito de transformar "Entrevistas com Francis Bacon - A Brutalidade do Fato" (Cosac & Naify Edições) em um livro indispensável para a compreensão da obra do artista.
"A Brutalidade do Fato" compila nove sessões de entrevistas realizadas por Sylvester entre 1962 e 1986 com o mais importante pintor britânico deste século.
A entrevista mais esclarecedora é a de 1966, em que Bacon fala de alcoolismo, de sua paixão pela fotografia (principalmente do pioneiro Eadweard Muybridge), de sua fixação pela boca humana e de seu arrependimento por ter feito tantas telas a partir da obra "Inocêncio 10º", de Velázquez.
O livro reúne, na íntegra, frases saborosas e já históricas de Bacon, como quando disse: "Nós somos carne, somos carcaça em potencial. Sempre que entro em um açougue penso que é surpreendente eu não estar ali no lugar do animal" (pág. 46).
O mérito de Sylvester se manifesta, por exemplo, ao perguntar se o amor que Bacon tinha pela fotografia não o fazia gostar mais da reprodução que da própria obra de arte original.
Logo em seguida, recorda que Bacon esteve em Roma durante dois meses e não viu "Inocêncio 10º", de Velázquez, obra na qual Bacon se baseou para realizar muitas de suas pinturas.
A resposta é impactante: "A razão provável talvez fosse o medo de ver a realidade do Velázquez depois de ter remexido tanto nele, o medo de ver aquele quadro maravilhoso e pensar nas besteiras que havia feito com ele" (pág. 38).
O volume prima ainda pela riqueza das ilustrações (embora em preto e branco) e por sua organização. Todos os trabalhos citados nas entrevistas estão reproduzidos no livro, que traz ainda remissão numérica para orientar o leitor caso a tela esteja reproduzida longe da página em que é citada.
São tantas as fotografias impressas que muitas vezes o texto parece funcionar como as falas de uma história em quadrinhos sobre sua produção artística. Essa característica do livro vai ao encontro do obsessivo interesse de Bacon pela técnica fotográfica.
Alguns erros e omissões de informações importantes depõem, porém, contra a edição. O título está errado na capa do livro, que se chama "A Brutalidade do Fato" em vez de "A Brutalidade dos Fatos".
O volume omite ainda o autor da capa e não informa que ela se baseia na ampliação de um retrato de Bacon tirado pelo próprio em uma cabine automática (a fotografia está reproduzida na página 42).
Assim como um raio x, o volume não chega a fornecer uma visão completa do corpo estético criado por Bacon, mas permite um passeio por suas entranhas. E promove assim uma detalhada autopsia.


Livro: Entrevistas com Francis Bacon - A Brutalidade do Fato Autor: David Sylvester Tradução: Maria Teresa Resende Costa Editora: Cosac & Naify (tel. 011/255-8808) Quanto: R$ 26 (208 páginas)



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