São Paulo, quinta-feira, 07 de fevereiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"ARTE E NÃO-ARTE"

Venda garantida, arte compromissada e comercialismo

RODRIGO MOURA

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Reza a lenda que alguém teria dito ao escultor Alberto Giacometti, num vernissage: "Finalmente me aconteceu alguma coisa, quebrei a perna".
Considerando-se a metáfora, pode-se dizer que o cerne da obra de Nelson Leirner reside nesta idéia: quebrar a perna das artes plásticas, abalar as regras do jogo de um poder estabelecido, o circuito das artes.
Reunidas no livro monográfico, "Arte e Não-Arte", que nem por isso torna sua trajetória burocrática, podemos, no ensaio de Tadeu Chiarelli, revisitar as paradas estratégicas que construíram um programa. Assim, pesar sua contribuição estética e crítica para o desenvolvimento do assunto no Brasil.
Para Leirner, tratou-se, desde o início, de uma tomada de consciência da solidão do artista moderno e das possibilidades comunicativas abertas pela sua nova condição na sociedade do espetáculo e do consumo em massa. Por esse processo, o artista chegou a uma equação em que o papel do público é cada vez mais relevante. Não pelos modelos de participação que o neoconcretismo teorizara e pusera em prática, mas pela revelação do gosto de cada indivíduo como atributo de valor na cadeia de consumo de imagens, mesmo que de maneira mais "refinada", como se viam as artes plásticas.
O surgimento da obra de Leirner, nos anos 60, dá-se em momento de revalorização do legado de Duchamp e de consolidação da pop art. Entre essas referências, mais o dadaísmo de um Picabia, que opera até hoje. Do concretismo brasileiro, Leirner herdou a crença na noção do artista como antecipador das transformações sociais.
Avaliada retrospectivamente, a maior contribuição de sua obra seria uma espécie de pedagogia dos valores que regem o circuito, aferida na importância de Leirner para a formação desse circuito em São Paulo e na formação de uma geração de discípulos.
Um exemplo da ironia de Leirner, que esconde quase uma moral de fundo: "Consegui. Vinte anos de tentativas para finalmente chegar onde queria: Venda garantida, arte compromissada, arte comercial pura. Divulgo a fórmula: 1 - produto: tem de ter certas características constantes", formula o artista no texto da exposição "Pague para Ver" (1980), em que as obras atingem grau máximo de "comercialismo" -mesma dimensão e estilo etc. Perversamente, podemos perguntar em relação à sua produção mais recente se ela não teria sofrido o desgaste que acompanha o êxito -para Duchamp, a autofalsificação da obra.
Em sua fase mais ativa, da corrida aos quadros do happening "Exposição Não-Exposição" (67) a "O Porco" (67) enviado a um salão de artes plásticas, o que Leirner afirma é que não há arte sem público. Chiarelli mostra que o questionamento do poder das instituições foi de importância central.

Arte e Não-Arte
    
Autor: Tadeu Chiarelli
Editora: Takano Editorial
Quanto: R$ 100 (228 págs.)



Texto Anterior: Artes plásticas: Exposição recupera os "embates" de Leirner
Próximo Texto: Literatura/"O ladrão que estudava Espinosa": Block reconstrói ótima trama em velho chassi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.