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"ARTE E NÃO-ARTE"
Venda garantida, arte compromissada e comercialismo
RODRIGO MOURA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Reza a lenda que alguém teria
dito ao escultor Alberto Giacometti, num vernissage: "Finalmente me aconteceu alguma coisa, quebrei a perna".
Considerando-se a metáfora,
pode-se dizer que o cerne da obra
de Nelson Leirner reside nesta
idéia: quebrar a perna das artes
plásticas, abalar as regras do jogo
de um poder estabelecido, o circuito das artes.
Reunidas no livro monográfico,
"Arte e Não-Arte", que nem por
isso torna sua trajetória burocrática, podemos, no ensaio de Tadeu Chiarelli, revisitar as paradas
estratégicas que construíram um
programa. Assim, pesar sua contribuição estética e crítica para o
desenvolvimento do assunto no
Brasil.
Para Leirner, tratou-se, desde o
início, de uma tomada de consciência da solidão do artista moderno e das possibilidades comunicativas abertas pela sua nova
condição na sociedade do espetáculo e do consumo em massa. Por
esse processo, o artista chegou a
uma equação em que o papel do
público é cada vez mais relevante.
Não pelos modelos de participação que o neoconcretismo teorizara e pusera em prática, mas pela
revelação do gosto de cada indivíduo como atributo de valor na cadeia de consumo de imagens,
mesmo que de maneira mais "refinada", como se viam as artes
plásticas.
O surgimento da obra de Leirner, nos anos 60, dá-se em momento de revalorização do legado
de Duchamp e de consolidação da
pop art. Entre essas referências,
mais o dadaísmo de um Picabia,
que opera até hoje. Do concretismo brasileiro, Leirner herdou a
crença na noção do artista como
antecipador das transformações
sociais.
Avaliada retrospectivamente, a
maior contribuição de sua obra
seria uma espécie de pedagogia
dos valores que regem o circuito,
aferida na importância de Leirner
para a formação desse circuito em
São Paulo e na formação de uma
geração de discípulos.
Um exemplo da ironia de Leirner, que esconde quase uma moral de fundo: "Consegui. Vinte
anos de tentativas para finalmente chegar onde queria: Venda garantida, arte compromissada, arte
comercial pura. Divulgo a fórmula: 1 - produto: tem de ter certas
características constantes", formula o artista no texto da exposição "Pague para Ver" (1980), em
que as obras atingem grau máximo de "comercialismo" -mesma dimensão e estilo etc. Perversamente, podemos perguntar em
relação à sua produção mais recente se ela não teria sofrido o
desgaste que acompanha o êxito
-para Duchamp, a autofalsificação da obra.
Em sua fase mais ativa, da corrida aos quadros do happening
"Exposição Não-Exposição" (67)
a "O Porco" (67) enviado a um salão de artes plásticas, o que Leirner afirma é que não há arte sem
público. Chiarelli mostra que o
questionamento do poder das
instituições foi de importância
central.
Arte e Não-Arte
Autor: Tadeu Chiarelli
Editora: Takano Editorial
Quanto: R$ 100 (228 págs.)
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