São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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"O FALCÃO-PEREGRINO"

Ninguém escapa do inferno de Wescott

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Se você nunca ouviu falar de Glenway Wescott, não se preocupe. Nascido em Wisconsin, nos Estados Unidos, o escritor exilou-se na França em 1925. Escreveu um punhado de contos e três romances, o último em 1945, quando abandonou a ficção. Morreu em 1987, quase desconhecido em seu país de origem.
Mas o autor vem sendo ultimamente reverenciado por um time de peso. Michael Cunningham, de "As Horas", escreveu o posfácio deste "O Falcão-Peregrino", que foi relançado nos Estados Unidos pela casa editorial do "New York Review of Books". Susan Sontag exaltou: ""O Falcão-Peregrino" é um dos tesouros da literatura norte-americana do século 20". Wescott é comparado a Scott Fitzgerald e Henry James.
Como em James, temos um espaço luxuoso (um casarão no interior da França), onde um bando de ricaços americanos e de decadentes aristocratas europeus envolvem-se em ações ínfimas mas minuciosamente descritas, as quais ocorrem num tempo relativamente curto (uma "única tarde de maio de 1928 ou 1929").
A história é narrada por Alwyn Tower, que se hospeda no casarão de Alexandra Henry, a milionária. Um dia, recebem a visita de Larry e Madeleine Cullen, de antiga e depauperada estirpe irlandesa. Madeleine vem acompanhada de sua nova paixão: um falcão-peregrino fêmea chamada Lucy, que seu marido detesta.
Madeleine-Larry-Lucy corresponde ao primeiro triângulo do romance, mas há outro formado pelo motorista dos Cullen e o casal de empregados de Alexandra. Podemos até imaginar outro, apenas sugerido, entre Alexandra, Tower e o irmão deste -isto é, no caso de Tower não ser gay, outra hipótese possível.
O livro é cheio dessas simetrias, reverberações e símbolos carregados de sentidos cambiantes, como em James, mas há um ponto bem estranho a este romancista: o narrador não se limita a mostrar uma ação. Ele procura tirar conclusões pelo leitor.
Se algumas opiniões soam sábias, há as que parecem bizantinas. Todas, porém, espelham a ideologia do narrador, que será posta à prova. Conforme a história segue para seu clímax melodramático, as opiniões de Tower vão entrando em xeque: "Às vezes duvido inteiramente do meu julgamento em questões morais; e, na medida em que proponho a contar histórias, isso é para mim um verdadeiro inferno".
Ninguém escapa do inferno de Wescott. Nem o observador supostamente isento, que poderíamos imaginar porta-voz do autor. Trata-se de mais uma surpresa dessa pequena jóia de engenhosidade narrativa.


O Falcão-Peregrino
    
Autor: Glenway Wescott
Tradução: Sergio Tellaroli
Editora: Planeta
Quanto: R$ 33,90 (104 págs.)



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