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"O FALCÃO-PEREGRINO"
Ninguém escapa do inferno de Wescott
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Se você nunca ouviu falar de
Glenway Wescott, não se
preocupe. Nascido em Wisconsin, nos Estados Unidos, o escritor exilou-se na França em 1925.
Escreveu um punhado de contos
e três romances, o último em
1945, quando abandonou a ficção.
Morreu em 1987, quase desconhecido em seu país de origem.
Mas o autor vem sendo ultimamente reverenciado por um time
de peso. Michael Cunningham, de
"As Horas", escreveu o posfácio
deste "O Falcão-Peregrino", que
foi relançado nos Estados Unidos
pela casa editorial do "New York
Review of Books". Susan Sontag
exaltou: ""O Falcão-Peregrino" é
um dos tesouros da literatura
norte-americana do século 20".
Wescott é comparado a Scott Fitzgerald e Henry James.
Como em James, temos um espaço luxuoso (um casarão no interior da França), onde um bando
de ricaços americanos e de decadentes aristocratas europeus envolvem-se em ações ínfimas mas
minuciosamente descritas, as
quais ocorrem num tempo relativamente curto (uma "única tarde
de maio de 1928 ou 1929").
A história é narrada por Alwyn
Tower, que se hospeda no casarão
de Alexandra Henry, a milionária.
Um dia, recebem a visita de Larry
e Madeleine Cullen, de antiga e
depauperada estirpe irlandesa.
Madeleine vem acompanhada de
sua nova paixão: um falcão-peregrino fêmea chamada Lucy, que
seu marido detesta.
Madeleine-Larry-Lucy corresponde ao primeiro triângulo do
romance, mas há outro formado
pelo motorista dos Cullen e o casal de empregados de Alexandra.
Podemos até imaginar outro, apenas sugerido, entre Alexandra,
Tower e o irmão deste -isto é, no
caso de Tower não ser gay, outra
hipótese possível.
O livro é cheio dessas simetrias,
reverberações e símbolos carregados de sentidos cambiantes, como em James, mas há um ponto
bem estranho a este romancista: o
narrador não se limita a mostrar
uma ação. Ele procura tirar conclusões pelo leitor.
Se algumas opiniões soam sábias, há as que parecem bizantinas. Todas, porém, espelham a
ideologia do narrador, que será
posta à prova. Conforme a história segue para seu clímax melodramático, as opiniões de Tower
vão entrando em xeque: "Às vezes
duvido inteiramente do meu julgamento em questões morais; e,
na medida em que proponho a
contar histórias, isso é para mim
um verdadeiro inferno".
Ninguém escapa do inferno de
Wescott. Nem o observador supostamente isento, que poderíamos imaginar porta-voz do autor.
Trata-se de mais uma surpresa
dessa pequena jóia de engenhosidade narrativa.
O Falcão-Peregrino
Autor: Glenway Wescott
Tradução: Sergio Tellaroli
Editora: Planeta
Quanto: R$ 33,90 (104 págs.)
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