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Forman glamouriza `homem mau'
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Se toda a pretensão de "O
Povo contra
Larry Flynt" é
justificar seu sonoro título, não
se fala mais nisso. Saiu tudo OK.
Antes de virar
filme, Larry
Flynt ficou célebre, entre outras,
por conta de um processo judicial
envolvendo uma delicada questão
política: o direito incondicional à
liberdade de opinião.
Larry Flynt na Corte Suprema
era uma causa ingrata: de um lado
envolvia um suposto homem de
bem (um pregador ridicularizado
pela revista "Hustler") e do outro, um "escroto" (palavra com
que Flynt se autodefine). A verdade, porém, é que Milos Forman
usa o episódio antes de tudo como
ponto de venda do filme.
A pergunta que "Larry Flynt"
formula, a rigor, é: o que é um homem? Vista assim, a coisa fica um
pouco problemática, já que o filme
pode ser comparado a precursores
bem mais ilustres, como "Cidadão Kane" (1941).
O fato de lidar com um personagem real e ainda vivo parece ter determinado a glamourização de
Flynt, visto já na infância como
menino pobre que tenta batalhar a
vida.
Mais tarde, as dificuldades por
que passa seu clube noturno, o
Hustler, o levam a descobrir o filão
editorial, instalando-se como confesso "vendedor de mulheres".
O resto da história é bem conhecido. Flynt é perseguido pelos moralistas. Chega a ser condenado a
25 anos de cadeia por publicar fotos e charges talvez obscenas. Mais
tarde, sofre um atentado que o deixa paralítico para o resto da vida.
Do que é culpado Larry Flynt,
afinal? No fundo, de mau gosto,
como ele mesmo diz (no filme, cabe quase sempre a ele definir-se).
É uma pena que essa referência
ao mau gosto seja colocada em
surdina. Era, afinal, o grande assunto do filme. Larry Flynt é um
"self made man" da boçalidade.
Mas o que significa "Hustler" (e
a pornografia em geral) para a sociedade norte-americana, por que
faz sucesso e qual a profundidade
desse sucesso, qual sua intervenção num país de moral puritana?
São coisas de que Milos Forman
passa ao largo, cautelosamente.
Em troca, coloca a ênfase de seu
filme nas múltiplas facetas de
Flynt, no amor pelo irmão, na paixão pela mulher, Althea (Courtney
Love), em suas tiradas espirituosas, na "rebeldia", no paradoxo
de o grande pornógrafo ter se tornado incapacitado para o sexo etc.
Ou seja, "Larry Flynt" margeia
grandes questões -inclusive a da
liberdade de opinião-, sem chegar efetivamente a elas.
Essas deficiências marcantes são
compensadas em parte pelo bom
artesanato e pela fluência da narrativa, que fazem de "Larry
Flynt" um espetáculo agradável
(exceto por uma elipse descabida,
após a primeira condenação de
Flynt, que trunca todo o encadeamento -esse momento, que conflita com o resto da narrativa, não
deve ser atribuído, em princípio,
ao diretor ou ao roteiro).
Não será demais dizer, no entanto, que o espectador só se dá conta
do que o filme tem de essencial no
final, quando correm os créditos.
Ali ficamos sabendo que Larry
Flynt, o verdadeiro, interpreta o
juiz que condena Larry Flynt, o
personagem, a 25 anos de prisão.
O ator Woody Harrelson confere
à imagem de Flynt uma simpatia
anárquica e uma integridade que o
Larry Flynt real desmente. Tendemos a ter pelo juiz uma imediata
repulsa. Talvez esteja aí, jogado de
forma quase casual, o comentário
mais incisivo de Forman sobre o
homem de quem está falando.
Filme: O Povo contra Larry Flynt
Produção: EUA, 1996
Direção: Milos Forman
Com: Woody Harrelson, Courtney Love,
Edward Norton
Quando: a partir de hoje, nos cines West
Plaza 2, Gazetinha, Belas Artes sala
Aleijadinho e circuito
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