São Paulo, sexta, 7 de março de 1997.

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CINEMA/ESTRÉIA
"Flynt foi um lutador", diz Harrelson

Divulgação
Woody Harrelson em cena do filme " O Povo contra Larry Flynt"


ELAINE GUERINI
em Los Angeles

Woody Harrelson, 35, chega ao hotel Four Seasons, em Beverly Hills, vestindo camisa azul, calça jeans surrada e com um capacete na mão.
O ator norte-americano, um dos fortes candidatos ao Oscar deste ano, dispensa seguranças e não se incomoda de estacionar sua moto de 250 cilindradas ao lado das limusines que imperam no local.
Sem fazer qualquer exigência típica de astros de Hollywood, Harrelson se dirige à sala de conferências para defender mais um papel polêmico de sua carreira.
Depois de protagonizar, com Juliette Lewis, "Assassinos por Natureza", sua nova missão nas telas é representar o fundador da revista pornográfica "Hustler", em "O Povo contra Larry Flynt".
"Larry foi um cara que ficou paralítico porque decidiu lutar pela liberdade que lhe foi negada", disse o ator em entrevista à Folha.
Da trajetória do empresário, o diretor Milos Forman destaca sua luta pelos direitos civis e seu romance com uma stripper bissexual (vivida pela cantora Courtney Love, viúva de Kurt Cobain).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Larry Flynt foi um homem que fez fortuna explorando mulheres. Você concorda com a abordagem quase heróica que ele ganha no filme?
Woody Harrelson -
É claro que eu quero que o público goste de Larry Flynt, mas nunca tive a pretensão de fazer dele um herói. Minha maior preocupação sempre foi fazer do papel o mais verdadeiro possível, sem me importar em parecer legal ou não.
Não acho que existam dúvidas quanto ao tipo de vida que ele levava, sempre cercado de mulheres, dinheiro e limusines. Flynt e sua mulher sempre foram materialistas. Não vejo nada de nobre em fazer fortuna explorando a nudez das mulheres. Ele simplesmente gostava de pornografia e ainda gosta.
Folha - Você tem algo em comum com Larry Flynt?
Harrelson -
Acho que fazemos parte da escória branca (risos). Eu passei a infância em Lebanon, um lugar não muito longe de Cincinatti, cidade do Larry. Acho que enfrentamos os mesmos problemas, levando em conta a forte religiosidade do povo desses locais.
Folha - Você já leu a revista "Hustler"?
Harrelson -
Só quando eu era jovem (risos). Na época, muitos dos meus amigos compravam. Hoje não leio mais revista pornográfica. Mas ainda acho as charges muito engraçadas.
Folha - Depois de "Assassinos por Natureza", esse é o seu segundo trabalho polêmico. Foi esse aspecto que mais o atraiu no filme?
Harrelson -
Eu aprecio Flynt por ele ter sido um lutador, por ter defendido aquilo que achava justo, por ter tido uma opinião. Não existe coisa mais chata do que uma pessoa que não tem opinião, ou uma pessoa que tem sempre uma opinião parecida com a sua.
O fato de Larry ter sofrido um atentado em 1978 (que o deixou paralítico) é apenas uma prova de que nós não somos absolutamente livres nesse país.
Fazemos parte de uma sociedade que ainda anda com as mãos para cima. Eu acredito que alguma força, provavelmente o FBI, tenha se encarregado do atentado.
De qualquer forma, sexo é sempre polêmico nos Estados Unidos. Ainda é um tabu porque as pessoas se preocupam em controlá-lo. A obsessão por sexo talvez tenha surgido justamente daí. Eu concordo quando Larry Flynt diz que o problema da sociedade americana é sua repressão sexual. O povo americano é, sem dúvida, muito reprimido.
Folha - Terá sido esse o motivo que levou Milos Forman a incluir tão poucas cenas de sexo, levando em conta que o filme trata de pornografia?
Harrelson - Também acho que o filme deveria mostrar mais cenas eróticas, já que esse é o tema. O público que entrar na sala esperando ver um pouco de pornografia pode se frustrar.
A história funcionaria melhor se o Larry atuasse mais nesse sentido. Afinal, ele não fazia outra coisa na vida a não ser passar o dia todo rodeado de mulheres. Eu sugeri ao Milos cenas mais quentes, mas ele não me ouviu.
Folha - Como foi o seu entrosamento com Courtney Love? É verdade que vocês brigaram logo no primeiro encontro?
Harrelson -
Sim. Nós começamos com um pequena discussão e acabamos no chão (risos). Eu não me lembro exatamente quanto tempo, mas Courtney atrasou mais de uma hora para a primeira leitura do roteiro.
E o pior foi que ela entrou na sala resmungando, dizendo que tinha tido alguns problemas naquele dia e não se desculpou. Eu falei que também tinha tido um dia conturbado, mas que não costumava chegar atrasado a compromissos profissionais.
Como Courtney é uma pessoa muito física, eu até gosto disso nela, nós nos pegamos mesmo. Eu exigi um pedido formal de desculpas. Brigamos outras vezes depois por causa de bobagens durante as filmagens. Mas nós nos damos bem agora. Gosto muito dela. É uma ótima companhia.
Folha - Oliver Stone disse uma vez que o escalou para "Assassinos por Natureza" por ter achado violência em seus olhos. O que há neles agora?
Harrelson -
Só amor (risos). Reconheço que existe um vírus violento em minhas raízes e acho que é difícil fugir quando isso está nos seus genes (o pai de Woody foi condenado à prisão perpétua por dois assassinatos).
Mas, quando olho para a minha filhinha mais nova (Zoe, de quatro meses), não vejo nada de ruim. O que eu acho errado é essa necessidade de categorizar tudo, classificar o que é bom e o que não é. A partir do momento que alguém inseriu esse conceito de mau, nada parece ser bom o suficiente. E o ser humano não consegue ser bom o tempo todo.
Acho que algumas pessoas têm essa obsessão pelo que é ruim de tanto que elas têm medo de se tornarem más. Com isso, elas acabam vendo somente o que existe de ruim. E toda essa obscenidade e violência que nós temos em doses normais, nelas acaba se desenvolvendo ainda mais. Acho que o mais importante é vivenciar as coisas e não as classificar.

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