|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/ESTRÉIA
"Flynt foi um lutador", diz Harrelson
Divulgação
|
Woody Harrelson em cena do filme " O Povo contra Larry Flynt"
|
ELAINE GUERINI
em Los Angeles
Woody Harrelson, 35, chega ao
hotel Four Seasons, em Beverly
Hills, vestindo camisa azul, calça
jeans surrada e com um capacete
na mão.
O ator norte-americano, um dos
fortes candidatos ao Oscar deste
ano, dispensa seguranças e não se
incomoda de estacionar sua moto
de 250 cilindradas ao lado das limusines que imperam no local.
Sem fazer qualquer exigência típica de astros de Hollywood, Harrelson se dirige à sala de conferências para defender mais um papel
polêmico de sua carreira.
Depois de protagonizar, com Juliette Lewis, "Assassinos por Natureza", sua nova missão nas telas
é representar o fundador da revista
pornográfica "Hustler", em "O
Povo contra Larry Flynt".
"Larry foi um cara que ficou paralítico porque decidiu lutar pela
liberdade que lhe foi negada", disse o ator em entrevista à Folha.
Da trajetória do empresário, o
diretor Milos Forman destaca sua
luta pelos direitos civis e seu romance com uma stripper bissexual
(vivida pela cantora Courtney Love, viúva de Kurt Cobain).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Folha - Larry Flynt foi um homem
que fez fortuna explorando mulheres. Você concorda com a abordagem quase heróica que ele ganha
no filme?
Woody Harrelson - É claro que
eu quero que o público goste de
Larry Flynt, mas nunca tive a pretensão de fazer dele um herói. Minha maior preocupação sempre
foi fazer do papel o mais verdadeiro possível, sem me importar em
parecer legal ou não.
Não acho que existam dúvidas
quanto ao tipo de vida que ele levava, sempre cercado de mulheres,
dinheiro e limusines. Flynt e sua
mulher sempre foram materialistas. Não vejo nada de nobre em fazer fortuna explorando a nudez
das mulheres. Ele simplesmente
gostava de pornografia e ainda
gosta.
Folha - Você tem algo em comum
com Larry Flynt?
Harrelson - Acho que fazemos
parte da escória branca (risos). Eu
passei a infância em Lebanon, um
lugar não muito longe de Cincinatti, cidade do Larry. Acho que
enfrentamos os mesmos problemas, levando em conta a forte religiosidade do povo desses locais.
Folha - Você já leu a revista
"Hustler"?
Harrelson - Só quando eu era
jovem (risos). Na época, muitos
dos meus amigos compravam.
Hoje não leio mais revista pornográfica. Mas ainda acho as charges
muito engraçadas.
Folha - Depois de "Assassinos
por Natureza", esse é o seu segundo trabalho polêmico. Foi esse aspecto que mais o atraiu no filme?
Harrelson - Eu aprecio Flynt
por ele ter sido um lutador, por ter
defendido aquilo que achava justo,
por ter tido uma opinião. Não
existe coisa mais chata do que uma
pessoa que não tem opinião, ou
uma pessoa que tem sempre uma
opinião parecida com a sua.
O fato de Larry ter sofrido um
atentado em 1978 (que o deixou
paralítico) é apenas uma prova de
que nós não somos absolutamente
livres nesse país.
Fazemos parte de uma sociedade
que ainda anda com as mãos para
cima. Eu acredito que alguma força, provavelmente o FBI, tenha se
encarregado do atentado.
De qualquer forma, sexo é sempre polêmico nos Estados Unidos.
Ainda é um tabu porque as pessoas
se preocupam em controlá-lo. A
obsessão por sexo talvez tenha
surgido justamente daí. Eu concordo quando Larry Flynt diz que
o problema da sociedade americana é sua repressão sexual. O povo
americano é, sem dúvida, muito
reprimido.
Folha - Terá sido esse o motivo
que levou Milos Forman a incluir
tão poucas cenas de sexo, levando
em conta que o filme trata de pornografia?
Harrelson - Também acho que o
filme deveria mostrar mais cenas
eróticas, já que esse é o tema. O
público que entrar na sala esperando ver um pouco de pornografia pode se frustrar.
A história funcionaria melhor se
o Larry atuasse mais nesse sentido.
Afinal, ele não fazia outra coisa na
vida a não ser passar o dia todo
rodeado de mulheres. Eu sugeri ao
Milos cenas mais quentes, mas ele
não me ouviu.
Folha - Como foi o seu entrosamento com Courtney Love? É verdade que vocês brigaram logo no
primeiro encontro?
Harrelson - Sim. Nós começamos com um pequena discussão e
acabamos no chão (risos). Eu não
me lembro exatamente quanto
tempo, mas Courtney atrasou
mais de uma hora para a primeira
leitura do roteiro.
E o pior foi que ela entrou na sala
resmungando, dizendo que tinha
tido alguns problemas naquele dia
e não se desculpou. Eu falei que
também tinha tido um dia conturbado, mas que não costumava
chegar atrasado a compromissos
profissionais.
Como Courtney é uma pessoa
muito física, eu até gosto disso nela, nós nos pegamos mesmo. Eu
exigi um pedido formal de desculpas. Brigamos outras vezes depois
por causa de bobagens durante as
filmagens. Mas nós nos damos
bem agora. Gosto muito dela. É
uma ótima companhia.
Folha - Oliver Stone disse uma
vez que o escalou para "Assassinos por Natureza" por ter achado
violência em seus olhos. O que há
neles agora?
Harrelson - Só amor (risos). Reconheço que existe um vírus violento em minhas raízes e acho que
é difícil fugir quando isso está nos
seus genes (o pai de Woody foi
condenado à prisão perpétua por
dois assassinatos).
Mas, quando olho para a minha
filhinha mais nova (Zoe, de quatro
meses), não vejo nada de ruim. O
que eu acho errado é essa necessidade de categorizar tudo, classificar o que é bom e o que não é. A
partir do momento que alguém inseriu esse conceito de mau, nada
parece ser bom o suficiente. E o ser
humano não consegue ser bom o
tempo todo.
Acho que algumas pessoas têm
essa obsessão pelo que é ruim de
tanto que elas têm medo de se tornarem más. Com isso, elas acabam
vendo somente o que existe de
ruim. E toda essa obscenidade e
violência que nós temos em doses
normais, nelas acaba se desenvolvendo ainda mais. Acho que o
mais importante é vivenciar as coisas e não as classificar.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|