São Paulo, sábado, 7 de março de 1998

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A volta de Darlene Glória

Após se tornar evangélica e ficar 25 anos afastada do cinema, o símbolo sexual dos anos 70 volta em "Até Que a Vida Nos Separe"

Divulgação
A atriz Darlene Glória, 55, que retorna ao cinema, onde se consagrou há 25 anos com "Toda Nudez Será Castigada"


MARIANE MORISAWA
da Redação

João reluta em abrir a porta. Lá fora está sua mãe, uma senhora de quase 60 anos vestida com roupas vulgares, e o padrasto, já bêbado apesar do horário. Ele os deixa entrar. Agredido verbalmente pelo padrasto, acaba se atracando com ele e ferido. A mãe tenta defendê-lo e acaba morta com golpes de faca. O padrasto se joga do prédio.
É com essa sequência, curta, mas dramática, que a atriz Darlene Glória, afastada dos filmes há 25 anos, volta ao cinema, no papel da mãe, em "Até Que a Vida Nos Separe", estréia em longa-metragem do publicitário José Zaragoza.
Em 1973, ela alcançou a fama, depois de mais de duas dezenas de filmes, com "Toda Nudez Será Castigada", de Arnaldo Jabor, premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim. Antes considerada apenas um símbolo sexual, ela alcançava também o reconhecimento como atriz.
"Eu sempre esperei um papel que me desse a chance de mostrar quem eu era. Na única chance que eu tive, eu explodi", diz.
O ponto mais alto da fama escondia o ponto mais baixo de sua vida. Relacionando-se com um homem mais velho e rico -"um ex-cliente"-, Darlene afundava cada vez mais no álcool e nas drogas, indo até parar num hospital psiquiátrico, num processo que, acredita, a levaria à morte.
"Eu era a Vera Fischer da época. Sofria até pressão do Esquadrão da Morte." Nada sobrara da menina ambiciosa que deixou o Espírito Santo aos 16 anos para tentar a vida de artista no Rio.
Darlene já havia buscado ajuda no orientalismo, no candomblé e na umbanda -em Berlim, subiu ao palco ao lado de Jabor com roupa de baiana e colares de guias .
Com a influência da mãe, ela foi "levada" a uma igreja evangélica em Madureira. Em 21 de agosto de 1974, aconteceu "seu encontro com Deus, que mudou meu coração". Nascia ali uma nova Darlene.
Ela abandonou a carreira, só retomada na televisão, em 1985, quando fez "Todo Pecado Será Perdoado", um "Caso Verdade" da TV Globo baseado em sua própria história. Depois vieram "Araponga", "Carmen" e, recentemente, um "Você Decide".
Darlene se casou com o pastor Marcos Brandão e exigia ser chamada de Helena Brandão -seu nome de batismo é Helena Maria Glória Viana.
Pregava em uma comunidade ao lado do marido, com quem teve dois filhos. Antes, já tinha dois, um deles fruto de um relacionamento com um músico, e outro, de uma noite de bebedeira com o policial Mariel Mariscot -membro do Esquadrão da Morte.
Hoje, ela usa novamente o nome artístico. "Eu era uma nova convertida. Ligava as coisas ruins de minha vida à Darlene. Agora sei que nome não quer dizer nada."
Na sua volta à televisão, ela recusou um papel na novela "Brega e Chique", que afirma, "hoje não deixaria escapar", e tentou usar sua participação em "Carmen" para a pregação do Evangelho.
"Eu ainda não estava preparada para voltar. Era como se eu pedisse desculpas por ser atriz. Claro que há alguns papéis que ferem a minha fé, e eu vou continuar não aceitando fazê-los."
Mas uma prova de sua mudança foi a primeira cena gravada de "Até Que a Vida Nos Separe". O roteiro previa que ela falasse um palavrão. Recusou-se, pediu até que o texto fosse reformado.
"Mas aí eu pensei: aquela mulher, naquela situação, diria um palavrão. E eu falei." Darlene se mostra surpresa com sua desenvoltura. "Há uma diferença entre ser e representar. O importante são os frutos da minha vida. Se o personagem faz coisas más, o problema é do personagem."
Atualmente mora em um apartamento de andar inteiro em Copacabana com três filhos. O marido, Marcos, a trocou há nove anos por uma garota de 20.
Por sete anos, ela sofreu com o abandono. "Nós dois nos completávamos demais", ela diz. Depois de se isolar em um sítio em Campos, ela recebeu um convite para ir pregar nos Estados Unidos.
Ficou seis meses, voltou ao Brasil para buscar os filhos e se mudou de vez para lá. Por cinco anos e meio, limpou casas e escritórios, serviu de babysitter, fez nhoque. Durante a Copa do Mundo de 1994, vendeu pastel e quibe para torcedores brasileiros. "Você acredita?", ela ri. "Aproveitei aquela gente com saudade do Brasil e fui pro fogão. Não dava conta. Vinha todo mundo comprar."
Então pôde ter tempo e tranquilidade para começar a escrever. "Uma Nova Glória", um dos seis livros autobiográficos que produziu, foi lançado pela editora Vida.
Darlene não tem um relacionamento amoroso desde a separação. "Para mim, casamento é uma vez só. Não estou fechada para o amor. Mas tenho certeza de que esse homem nunca vai aparecer."
Ambiciosa, cantora, vedete, prostituta, alcoólatra, viciada, mãe solteira, estrela, convertida, pregadora, abandonada pelo marido. Sua vida poderia dar um filme. "E não é que vai virar? Já estou até roteirizando a minha história. E o Roberto Farias disse que vai filmar", ela conta. "É um filme para ir para Hollywood, não é?"



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