São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2000


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"TREM DA VIDA"
Medo e comédia, de novo

BIA ABRAMO
especial para a Folha

Não deixa de ser curioso que uma tragédia com as proporções do Holocausto seja objeto de versões leves, cômicas como este "Trem da Vida" e "A Vida É Bela", de Roberto Benigni. É prematuro especular sobre o significado dessa inversão de sinais, mas é impossível não atentar para os recursos comuns.
Como Benigni, o romeno Radu Mihaileanu preferiu partir de premissa absurda e dar um tom fabular ao roteiro de "Trem da Vida".
Em uma comunidade judaica na Europa Oriental, em 1941, os habitantes recebem a notícia de que serão deportados. Alguém -não um qualquer, mas o louco da aldeia, Schlomo (o francês Lionel Abelanski, que ganhou um César por essa atuação)- sugere uma saída tão fantasiosa quanto implausível. Resolvem "deportar-se", fingir que são tanto os agentes do horror quanto as suas vítimas.
Os preparativos para a falsa deportação criam o melhor do filme. Todos se mobilizam nas providências, desde a difícil seleção dos que farão o papel de nazistas até a "reforma" do trem. Tanto o cuidado na reconstrução de um modo de vida do qual se tem pouquíssimas referências e imagens quanto o evidente esforço em sublinhar o humor de uma cultura prestes a ser quase exterminada produzem cenas muito vivazes.
O contraste da beleza dessas cenas com a certeza de que esse modo de vida será morto de forma hedionda talvez seja mais eficiente para dar alguma compreensão à enormidade do genocídio nazista do que a solenidade ideológica e estética de, por exemplo, "A Lista de Schindler"
Já quando o trem parte, o filme parece render-se ao efeito de uma boa idéia alongada em excesso, o que também aproxima o romeno do italiano Benigni.
Os encontros improváveis entre os falsos nazistas e os "verdadeiros" mantêm o clima de comédia sem muitos problemas. O que não funciona bem é a tentativa de esticar a parábola ao limite: os judeus fantasiados de "alemães" passam a ser temidos e odiados pelos "deportados", o "comunista" lidera revoltas contras os fascistas e assim vai. Daí a diálogos rasos e tediosos sobre "essência e aparência" é um passo.
Contribui para o mal-estar o fato de que é o louco quem conduz a maioria dessas cenas: a impostura perde credibilidade quando utiliza recursos quase infantis como esse de atribuir a sensatez aos insensatos, coisa da qual também "A Vida é Bela" se ressente. Só que, ao contrário do que fez Benigni, a cena final redime essa fraqueza com um balde de água fria, que não convém contar antes. Noves fora, o filme merece atenção, menos pelo empenho intelectual do que pelo que lhe escapa.


Avaliação:   

Filme: Trem da Vida (Train de Vie) Diretor: Radu Mihaileanu Produção: Romênia/França, 1998 Com: Lionel Abelanski e Rufus Quando: a partir de hoje, nos cines Jardim Sul 8, Sala UOL e circuito


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