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LIVRO/LANÇAMENTO
"DYLAN THOMAS: THE COLLECTED LETTERS"
Poeta pedia dinheiro e desculpas por sua conduta quando embriagado
Colet ânea de cartas discute a poesia do autor
MARCELO COELHO
DO CONSELHO EDITORIAL
Um dos maiores poetas de
língua inglesa do século 20,
Dylan Thomas nasceu em Swansea, no País de Gales, em 1914, e
morreu aos 39 anos, em Nova
York, durante uma turnê de conferências. Há uma tradução de
suas poesias completas para o
português, infelizmente sem o
texto original, feita por Ivan Junqueira para a José Olympio.
Muitas coisas contribuem para
criar uma aura mítica em torno de
Dylan Thomas. Sua poesia, embora extremamente cuidada do
ponto de vista técnico, é bastante
declamatória, "profética", romântica, assumindo o caráter de
um hino de louvor à natureza, ao
sexo, a Deus.
Uma mistura de imaginário bíblico, referências eróticas e associações bombásticas faz de sua
poesia algo bem distante da ironia, de um certo intelectualismo,
ou pelo menos de uma certa reserva e discrição no tom, que são
comuns na poesia de um T.S.
Eliot ou de um Wallace Stevens.
A imagem de "bardo romântico" é reforçada pelo fato de Dylan
Thomas ter estreado muito jovem
como escritor -aos 22 anos já tinha dois livros publicados, chamando a atenção de autores como T.S. Eliot e Edith Sitwell- e,
principalmente, por ter vivido
num estado de angustiante pobreza e de intratável alcoolismo.
Não é surpresa, assim, que cerca
de metade das cartas reunidas
neste volume se componha de pedidos de dinheiro e de desculpas
pelas coisas que Thomas fazia
quando embriagado. Impossibilitado de ter algum emprego fixo, o
poeta não tem como sustentar a
mulher e os três filhos. A um amigo, conta que, enquanto escrevia
um poema, ouviu uma mulher na
rua vendendo biscoitos; uma tortura enorme, diante da fome que
sentia. O amigo, gentilmente, envia-lhe uma caixa de biscoitos
junto com a carta de resposta.
Durante a Segunda Guerra,
Thomas tenta escapar do serviço
militar; termina arranjando um
emprego na BBC, escrevendo roteiros para transmissões de propaganda e para documentários.
Seu primeiro trabalho, aliás, é fazer um script para um programa
destinado aos ouvintes brasileiros, sobre o duque de Caxias.
Vai-lhe sobrando cada vez menos tempo para escrever poemas.
Thomas era um extraordinário
declamador de poesia -gravações de seus recitais estão à venda
ainda hoje. Famoso como poeta e
declamador, foi convidado quatro vezes para ir aos Estados Unidos, em turnês exaustivas, que
aliás lhe renderam bom dinheiro.
Mas o dinheiro acabava logo;
poucas semanas depois de voltar,
Thomas já está pedindo mais ajuda, em tom desesperado. Cenas
tremendas de bebedeira, durante
essas viagens, são contadas no livro de John Malcolm Brinnin,
"Dylan Thomas in America".
O melhor desta edição das cartas completas de Thomas não está
nesse cotidiano de pesadelo e de
ruína material. As muitas cartas
em que Dylan Thomas discute
poesia -em especial as que endereça à escritora Pamela Johnson- valem por todo o volume.
Pamela Johnson mandava seus
poemas para Dylan comentar; as
respostas são extensas, detalhadas e candentes. "Nada neste
mundo é desinteressante. Como
pode uma coisa não ter interesse
se está neste mundo, se tem o
mundo à sua volta, que tem um
passado, um presente e um futuro... Um bloco de pedra é tão interessante como uma catedral, ou
até mais interessante, pois é a catedral em essência; deu substância à edificação da catedral e significado para o significado da catedral, pois pedras são sermões, como todas as coisas."
Isolada assim de seu contexto, a
citação talvez seja um pouco banal. Mas o fluxo de imagens, constante na poesia do autor, é irresistível em suas cartas. Thomas critica um poema de seu amigo Vernon Watkins: "É tolo o que eu vou
dizer, mas esse poema parece tão
obviamente escrito com palavras... eu quero o meu sangue sentimental: não o sangue de Roy
Campbell, que é um adjetivo vermelho e ruidoso numa veia transparente, mas o sangue das folhas,
poços, represas, fontes, conchas,
ecos, arco-íris, azeitonas, sinos,
oráculos, tristezas".
Exageros de imaginação estão
presentes. Thomas narra um jantar de que participou, no qual um
indiano estava encarregado da
cozinha. Tudo era à base de curry.
A coisa era tão picante que, na primeira garfada, Thomas ficou sem
voz, e um conviva "teve de ser
atendido". Ele continua: "Depois
do prato principal, uma mulher, a
sra. Henderson, olhou para o prato e viu, numa borda, uma estranha coisa borrachenta (...). Interessada, ela espetou-a com o garfo
e descobriu que era a pele inteira
de sua língua".
Para sua mulher, Caitlin, Thomas escreve: "Eu te amo. Eu sempre soube que te amei mais do que
qualquer homem amou uma mulher desde que o mundo começou; mas agora eu te amo mais do
que isso". As cartas a Caitlin são
as únicas em que as desculpas típicas de Thomas adquirem um
tom patético e autopiedoso. Em
geral, a despeito das enormes dificuldades que enfrentava, Dylan
Thomas parece imune ao ressentimento e à maledicência. Há algumas farpas contra seus contemporâneos, como Stephen
Spender ou Louis MacNeice; mas
em tudo, mesmo nos momentos
mais amargos, sobressai uma espécie de entusiasmo universal.
Vemos o autor entregue a um
ato de doação -irrefletida e suicida, por certo- de si mesmo; o
que faz deste livro não só um excelente comentário sobre a poesia, sobre poetas e sobre o próprio
Dylan Thomas, mas também um
documento humano excepcional.
As notas de Paul Ferris -organizador da edição e biógrafo de
Thomas- são utilíssimas e minuciosas ao extremo. Se se pode
dizer assim, o defeito do livro é ser
tão cuidadoso e completo: uma
seleção das cartas poderia ser bem
mais acessível ao leitor.
Dylan Thomas: The Collected
Letters
Organizador: Paul Ferris
Editora: Dent
Quanto: US$ 40 (1.062 págs.)
Onde encomendar:
www.livcultura.com.br
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