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CRÍTICA
"Pântano" captura os seres humanos no momento da queda
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DA ILUSTRADA
Depois de tanto atraso e da
crença de que filmes como
"O Filho da Noiva" e "Nove Rainhas" representavam a nova geração, a estréia de "Pântano" chega
para desfazer equívocos.
Uma palavra resume a experiência diante do longa de estréia
de Lucrecia Martel: choque. Nele,
condensa-se o espírito formal e
simbólico da geração que levou o
cinema argentino a um patamar
equiparado apenas ao do -também desconhecido aqui- cinema feito hoje da Coréia do Sul.
Do ponto de vista formal, a economia dos meios dos filmes argentinos da nova geração, em vez
de refletir pobreza, tira proveito
das limitações.
Em "Pântano", quarto, banheiro, cozinha, piscina, floresta, além
do próprio pântano e outros espaços banais são filmados tais como são: com uma cenografia quase no osso, que conduz a um sufocamento no limite da claustrofobia, mas que também transcende
a vida material. Não são espaços
construídos para uma ficção elaborada para obter efeitos apaziguadores ou espetaculares. São
espaços-quaisquer, em que o concreto das situações encontra as
condições justas para que se mostrem o nada e a ausência, a crise e
a corrupção.
Já do ponto de vista narrativo, a
proposta de Martel evita a fórmula, não forja nexos de causalidade
na ficção, aparentemente só registra sem privilegiar momentos fortes. O resultado é uma sinfonia
composta de cacos. O que lhe interessa não é a ação, mas os acontecimentos. Ao contrário da TV,
que transmite ao vivo um milagre
da aparição da virgem -e nada
mostra-, a câmera de Martel
captura os corpos abandonados
numa cama desarrumada.
"Pântano" insere Martel naquela categoria de artistas que alcançam o espiritual, o fantástico ou o
simbólico através da intensificação do físico, do concreto. Faz
pensar em "A Palavra", do dinamarquês Carl Dreyer, e faz pensar
ainda mais no espanhol Luis Buñuel, sobretudo o pesadelo claustrofóbico de "O Anjo Exterminador". É no naturalismo de Buñuel
que Martel encontra sua principal
fonte inspiradora.
"Pântano" obviamente pertence a um cinema de exceção, é um
filme feito para um público que
aceita ser instigado, provocado.
Não pertence à linhagem do cinema comercial porque usa o cinema como uma forma de expressão que nos restitui a crença não
num mundo de sonhos, mas na
tragédia como a solução que a vida encontra para seguir em frente.
O Pântano
La Ciénaga
Direção: Lucrecia Martel
Produção: Argentina/França, 2001
Com: Mercedes Morán, Graciela Borges,
Martín Adjemián
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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