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WALTER SALLES
Hideo Nakata e o novo cinema de terror japonês
Algo está mudando na geografia cinematográfica contemporânea. O melhor cinema jovem vem hoje da Argentina
-Pablo Trapero e Lucrecia Martel, ambos prestes a rodar seus novos filmes, que o digam. Cineastas
de países como a Turquia e o Sri
Lanka estão encantando o mundo dos festivais. Mais: a renovação de um gênero cinematográfico clássico, o de filmes de terror,
ganha cada vez mais vigor no Japão.
Tradicionalmente, o cinema de
terror é o território de especialistas, como Roger Corman ou Dario Argento. Mas também há o
caso de grandes diretores como
Kubrick ("O Iluminado"), Polanski ("Repulsa ao Sexo" e "O
Bebe de Rosemary") e Robert Wise ("Desafio do Além"), que realizaram ótimos filmes se aventurando no gênero.
Estranhamente, a ebulição criativa que ocorre hoje no Japão é
uma simbiose dessas duas tendências. Filmes de terror realizados por especialistas que são também cineastas-cinéfilos, diretores
extremamente refinados. O primeiro sobressalto ocorreu há 15
anos, com "Tetsuo 1", de Shinya
Tsukamoto. Kiyoshi Kurosawa,
selecionado neste ano em Cannes,
também passou pelo gênero. Mas,
se há um nome a ressaltar nessa
nova onda nipônica, é o de Hideo
Nakata.
Diga-se logo de cara: Nakata
não gosta de cinema de terror.
Gosta, ao contrário, de Hitchcock,
de Cronenberg e de Carl Dreyer.
Estudou jornalismo, e não cinema, na Universidade de Tóquio.
É um asceta, um cineasta de
grande rigor conceitual, que despreza a tecnologia de ponta e
acha que efeito especial é golpe
abaixo da cintura.
Seu primeiro filme, "A Atriz
Fantasma", foi realizado para a
TV. O filme pegava o gênero pela
contramão: era angustiante pelo
que não mostrava, pelo que estava fora de campo. Os fantasmas
eram sugeridos, apenas. Em seguida, Nakata adaptou um romance do Stephen King japonês,
Koji Suzuki: "Ringu". O filme estourou em toda a Ásia e deu origem a uma série de cinema e a
outra de TV, além do remake
americano ("O Chamado", com a
lynchiana Naomi Watts).
O extraordinário sucesso de
"Ringu" permitiu a Nakata realizar "Chaos", história de um sequestro com forte influência
hitchcockiana. Outro sucesso, que
também está sendo refilmado nos
EUA, com Harrison Ford e Benicio del Toro. Finalmente, no ano
passado, Nakata realizou o mais
belo e crepuscular de seus filmes:
"Água Escura", um clássico do gênero.
"Água Escura" é fundamentado em personagens sólidos, realistas. O filme começa com a separação de um casal jovem. Para garantir a guarda da filha de dez
anos, a mãe se vê obrigada a alugar um apartamento às pressas. O
prédio é isolado, pouco habitado.
Chove e a água começa a invadir
o teto do apartamento. Passos são
ouvidos no apartamento de cima,
supostamente vazio. Os demônios
dos personagens começam a se
mesclar com fenômenos aparentemente inexplicáveis. O clima de
angústia e solidão passa a envolver o espectador de forma hipnótica e irreversível -tão irreversível quanto a angústia humana no
Japão pós-moderno.
Um corredor vazio. Um elevador que sobe sem ninguém dentro. Um monitor de TV caindo
aos pedaços, vigiando inutilmente o prédio. A economia dos planos é surpreendente. Estamos
com os personagens. Por isso vamos sofrer com eles e sentir as
mesmas sensações de abandono,
claustrofobia... e medo.
"Abordei o cinema de terror de
forma atípica, documental", diz
Nakata. "Penso que os espectadores estão paralisados pelos filmes
hollywoodianos, intoxicados pelos efeitos especiais e pelo excesso
de estímulos sonoros. Prefiro suscitar a emoção pelo caminho contrário. Cortando a música, em vez
de aumentar o volume."
Graças à extraordinária resposta do público no Japão e na Ásia,
essa forma minimalista e sofisticada de narração começa a dar filhotes. Uma nova onda de filmes
de terror está surgindo na terra de
Ozu e Mizoguchi. Te cuida, Matrix.
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