São Paulo, sábado, 07 de julho de 2001

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"IDÉIAS TEATRAIS..."

Coletânea comenta textos publicados de 1833 a 1903

Faria expõe tradição e redimensiona o teatro atual

Reprodução do livro "O cinema e a invenção da Vida Moderna"
A Times Square, em Nova York em 1909, um dos exemplos de hiperestímulo da modernidade, que marcou a história do cinema


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

À primeira vista, "Idéias Teatrais: O Século XIX no Brasil", de João Roberto Faria, uma coletânea comentada de prefácios, críticas e estudos sobre teatro publicados no Brasil entre 1833 e 1903, apresenta-se como estudo para especialistas.
Já se tem por reflexo considerar que o teatro brasileiro teria começado com o Teatro Brasileiro de Comédia, em 1948, superado pelo Teatro de Arena e pelo Oficina, e que todos teriam sido destruídos pelo AI-5 em 1968.
O teatro brasileiro estaria tentando se recuperar desde então, retomando o projeto do TBC de acompanhar o nível internacional, sem deixar apagar a chama da nacionalidade do Arena e da revolução permanente do Oficina, e nas últimas décadas muitos estudos foram publicados sobre esses 20 anos fundamentais, um pouco para se retomar a utopia perdida.
Ficaria assim o século 19 relegado a uma curiosidade histórica, ingênuas discussões sobre temas superados. Décio de Almeida Prado, crítico fundador do TBC, parecia um dos poucos autorizados a cavar mais fundo na nossa história teatral. No entanto pesquisadores como João Roberto Faria, com um prestígio cada vez maior, vêm trazendo à tona um passado que espanta pela atualidade.
Faria é discípulo de Prado no sentido mais nobre; mantém não só a mesma linha de pesquisa, mas o mesmo método de trabalho, com a leitura atenta de documentos relegados ao esquecimento. Recupera a pertinência, e não raro a urgência, do pouco conhecido trabalho crítico de autores como Machado de Assis, José de Alencar, Artur de Azevedo, assim como a lucidez de auto-análise dos prólogos de Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.
Faria chega a aprimorar o método de Prado ao apresentar cronologicamente, em uma segunda parte, os documentos analisados, para que "cada um possa discordar ou concordar saudavelmente com os meus pontos de vista".
O volume, claramente organizado, faz desfilar as lutas dos românticos e dos realistas, do apego às regras clássicas e à moral maniqueísta do melodrama, do repúdio tanto ao comercialismo raso de boa parte do teatro musicado quanto à falta de poesia da vanguarda naturalista, que Antoine veio pessoalmente ao Rio trazer como uma alternativa que, no entanto, só seria adotada pelo TBC, quase 50 anos depois.
O teatro "pré-TBC" não tem nada do servilismo ao modelo estrangeiro, mas sim uma crônica de lutas de intelectuais bem embasados contra a precariedade de recursos, o descaso dos governos, o imediatismo dos empresários, a desinformação das platéias.
Nada que o TBC não tenha tido que enfrentar, aliás; nada que não continue até hoje. Diminuída a necessidade de um divisor de águas em nossa história, "Idéias Teatrais" ganha mais um século para comparações, e o passado ganha novo enfoque: o quanto o teatro de Arena, por exemplo, não retomou a exaltação maniqueísta do herói nacional, projeto romântico? Mais do que um passado, Faria expõe uma tradição e redimensiona o teatro atual.

Idéias Teatrais: O Século XIX no Brasil     
Autor: João Roberto Faria
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 40 (688 págs.)



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