São Paulo, sábado, 07 de julho de 2001

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"SUNSHINE - O DESPERTAR DE UM SÉCULO"

Negando origens, Szabó traça panorama de uma época

CRÍTICO DA FOLHA

A pretensão de István Szabó em "Sunshine - O Despertar de um Século" é traçar um panorama histórico do século 20 por meio da história particular de uma família de judeus húngaros. A família Sonnenschein deve redescobrir, na trajetória de três gerações da conturbada "era dos extremos", sua identidade judia.
"Deus nos proíbe de viver na luxúria e no poder", avisa inutilmente, no início do filme, o bisavô, apelando a uma tradição que se perderá, aos poucos, com o alvorecer do novo século.
De alguma forma, as gerações seguintes negarão sua origem judaica, ignorando o preceito: o avô consuma uma relação proibida com a prima e torna-se, ao mesmo tempo, juiz do Império Austro-Húngaro, trocando seu nome judeu por outro com o intuito de ser indicado à Suprema Corte.
O neto, envolvido numa relação adúltera, adere ao regime comunista da Hungria do pós-guerra e se vê obrigado a endossar uma campanha anti-semita. Mas a consciência do Holocausto e o último desejo de sua avó o conduzem a uma reconversão: retoma o nome original da família e tenta descobrir o paradeiro de um livro alquímico escrito pelo tataravô.
A rigidez dos preceitos morais demonstrados aqui por Szabó reflete-se no esquematismo do roteiro, na impostura da mise-en-scène e na formalidade dos atores.
O filme não ganha vida, em parte porque a unidimensionalidade dos personagens é reforçada pelo fato de Szabó (também autor do roteiro) priorizar os personagens masculinos, todos (os principais ao menos) interpretados por Ralph Fiennes (cuja versatilidade não é tamanha).
Potencialmente, as personagens femininas, que parecem trazer sempre consigo a ameaça de danação e insubordinação, são as melhores, mas Szabó prefere mantê-las em segundo plano, como quem esconde os próprios pecados. As mulheres exercem um papel deflagrador no filme, mas devem permanecer em seu devido lugar segundo a velha máxima: por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher (e, atrás desta, a mulher dele).
"Sunshine" obedece à lógica hipócrita do falso moralismo. Ainda que aborde tanto os "grandes acontecimentos" protagonizados pelos homens quanto os pequenos pecados "provocados" pelas mulheres, Szabó forja, com os primeiros, instantâneos fotográficos para pendurar na sala da casa e empurra os segundos, à sua maneira, para debaixo do tapete (é o que ele faz, por exemplo, com o adultério da avó). É assim que o cineasta recalca aquela que poderia ser a maior chance de sua história sair do papel (timbrado) para ganhar vida nas telas.
(TIAGO MATA MACHADO)

Sunshine - O Despertar de um Século
Sunshine  
Direção: István Szabó
Produção: Áustria/ Canadá/Alemanha/ Hungria, 1999
Com: Ralph Fiennes, Rosemary Harris, Rachel Weisz e Jennifer Ehle
Quando: em cartaz nos cines Jardim Sul, Cinearte e Pátio Higienópolis



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