São Paulo, sexta, 7 de agosto de 1998

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DISCO/CRÍTICA
Prince se afoga na hiperprodutividade

da Reportagem Local

Foram quatro CDs em 96, mais quatro em 97, e eis ele aí de novo. O Símbolo, o Ex-Prince, o Coisa lança agora "New Power Soul", com sua banda New Power Generation. É bom? É, Prince sempre é. Acontece que, ainda assim, sua hiperprodutividade obsessiva ameaça arrastá-lo ao estupor.
Todo mundo já entendeu isto: não há como o funk orgânico que Prince forjou não ser engolfado pela mesmice em meio de um vendaval de novas composições. Prince se arrasta à irrelevância -se não por outra razão, porque nem concede ao ouvinte tempo hábil de assimilar o que ele produz.
Aí há as questões subsidiárias. "New Power Soul" sucede o quádruplo/quíntuplo (seus CDs se reproduzem feito gremlins) "Crystal Ball" (97, vendido apenas pela Internet, pelos endereços www.1800newfunk.com e www. love4oneanother.com) -que, feitas as contas, é estupendo.
Era fácil que fosse. Três dos CDs de "Crystal Ball" compilam material que ficou inédito no correr da carreira do Flecha -o que rende suítes inesquecíveis como "Crystal Ball", "Cloreen Baconskin" (16 incansáveis minutos), "Love Sign", "Sexual Suicide", "Poompoom".
O resto é mais ou menos -o quarto CD, "The Truth", é um inédito acústico, dum Prince desanimado arrastando bluesinhos compostos no quintal; o bônus incluído depois é "Kamasutra", bobagem instrumental assinada pela NPG Orchestra.
Mas tente comparar os três "Crystal Ball" com "New Power Soul". É devastador. O Coisa ainda faz funks como ninguém nestes 90, mas o vigor e a fúria da safra 87-88 parecem irremediavelmente perdidos.
Falar com sinceridade, Gremlin hoje parece um relaxado -até a capa de "New Power Soul" dá medo. "Crystal Ball", que nem capa tinha (o consumidor feliz, daqueles que têm scanner e Internet em casa, tem que imprimir via Internet se quiser guardar -ou saber- os nomes das músicas), ainda ostentava design ousado. Já o novo, no melhor estilo Tim Maia, parece disco pirata de tão bagaceira.
Musicalmente, "New Power Soul" é um disco de fibra, mas muito acomodado -Smurf optou pelo certeiro de investir pesado no pastiche de um de seus ídolos, o sacerdote do funk George Clinton.
Metade dos funks -a faixa-título e "Freaks on This Side" em especial- parecem saídos das entranhas do Funkadelic ou do Parliament (são as bandas de Clinton nos 70). Cínica, "Push It Up" é cópia em negativo das "jams of the year" de Bootsy Collins, braço direito de Clinton.
Bom aluno que é, Snorkel consegue se desguiar da mera referência -cópia ou não cópia, "Freaks on This Side" é o máximo. As baladonas -"Shoo-Bed-Ooh", "Come On" (dueto com a diva Chaka Khan), "The One"- continuam apimentadas (ainda que as letras continuem sofríveis).
Bem, assim é Ex-Prince. Ele não está nem aí. Não é Michael Jackson, que assiste à desgraça de seu gigantesco talento ser soterrado por questões morais ou de imagem. Não é Madonna, que se ampara na indulgência preguiçosa de "Ray of Light" e só faz piscar para um público fiel pronto a se satisfazer com a demagogia do hit "Frozen".
Ele, o Homem-Coisa, só quer saber de música (OK, esqueçamos a grana só um tantinho). Sua música está cada vez mais difícil de deglutir, é fato, mas isso é problema do público. Neste instante, ele deve estar trancado em seu estúdio gravando mais umas 500 músicas.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Disco: New Power Soul Grupo: Prince and The New Power Generation Lançamento: NPG/BMG Quanto: R$ 18, em média


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