São Paulo, Sábado, 07 de Agosto de 1999
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CRÍTICA
"Ouvindo Oswald" é biscoito fino

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Na geléia geral da cultura brasileira, Oswald de Andrade foi um osso duro de roer. Até ruir a incompreensão e engolir o escritor modernista, o establishment literário sempre baniu do conformado cardápio o indigesto prato antropofágico. O CD "Ouvindo Oswald", fino acepipe para digerir e divertir, conjuga criação e arqueologia, ao recuperar um raríssimo documento de modo vivo e prestar tributo inventivo à verve poética e à veia combativa de O.A.
Com coordenação literária e roteiro de Augusto de Campos e produção musical e tratamento sonoro de Cid Campos, o CD reúne 52 poemas e 2 manifestos do autor do "Primeiro Caderno do Aluno de Poesia".
Traz moralizações do próprio Oswald e oito poetas: Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes, Lenora de Barros, Omar Khouri, Pauli Miranda e Walter Silveira.
"Em comprimidos, minutos de poesia" (como a fórmula oswaldiana), o compacto concentra larga gama de interpretações, de simples e sutis leituras ("Antologia", "3 de Maio") a desintegrações vocabulares ("Biblioteca Nacional") e proezas de edição sonora ("Amor Humor"). Dados da poética de Oswald (irônica, coloquial, concisa, estranha) dialogam com as dicções e os timbres de cada artista.
Oswald lê 15 poemas gravados em 1951, poucos anos antes da morte, quando em sua voz já se via a melancólica solidão de poeta escalpelado. A leitura literalmente mastigada por Pignatari dos manifestos "Pau-Brasil" e "Antropófago" é eixo programático ao redor do qual gravita a poesia.
O CD encerra-se com coda cinematográfica: "Plebiscito" ("venceu o sistema de Babilônia/ e o garção de costeleta"), o rebate-vaticínio ("a massa ainda comerá o biscoito fino que eu fabrico") e o chiado da gravação de Oswald mixado com os sons tribais digitalizados, abrindo a seara da metáfora para a imaginação.
Neste país e época de trevas e banguelas (o ano 445 da deglutição a exigir outras dentições e mordidas), ainda infestam "chatoboys" de variada cepa. À obra, ouvidos livres, para quem souber e o que vier.


Avaliação:     


CD: Ouvindo Oswald Lançamento: Funarte
Quanto: R$ 18


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