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ANÁLISE
Estilista é último representante de um período
ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA
Chega ao fim a carreira do
mais importante estilista vivo. Autor inconteste de sua própria mitologia, Yves Saint Laurent
não quis esperar por sua morte
para encerrar sua trajetória, num
ato último de controle sobre sua
criação. Aos 65 anos, abandona a
costura, pendura a tesoura. Aos
olhos de um leigo, talvez a decisão
pareça estranha, já que o mais comum seria um estilista seguir,
temporada após temporada, interpretando a moda. Aos olhos
dos fashionistas, a medida parece
coerente.
O mundo mudou, e as regras do
jogo da moda se alteraram. Saint
Laurent era o último representante de um período. Sua primeira
coleção assinada data de 29 de janeiro de 1962. Naquela época, não
existia a expressão "estilista". A
geração do jovem Yves fazia parte
foi denominada "créateurs", criadores, em oposição aos "costureiros", que conjugavam na alta-costura um estilo ditatorial.
Saint Laurent saiu, ele próprio,
do universo da couture. Nascido
na Argélia, estudava em Paris
quando participou de um concurso. Seu vestido ganhou o primeiro
prêmio, e ele foi imediatamente
contratado para a maison Dior.
Tinha apenas 17 anos. Christian
Dior era o maior nome do gênero
na época. Uma verdadeira celebridade. Por quatro anos, Saint
Laurent assistiu o grande Dior, até
sua morte abrupta, em 1957. Então, com 21 anos, Yves Saint Laurent assumiu a direção artística da
famosa maison Dior.
É incrível como um nome que é
hoje sinônimo de uma moda clássica tenha sido tão revolucionário. E ele foi o primeiríssimo a
olhar para a moda das ruas. Na
Dior Saint Laurent, começou a
trazer para as sofisticadas passarelas da alta-costura os sinais das
mudanças que os anos 60 veriam.
Apareceram ali os vestidos em
formato trapézio.
Quando foi convocado para servir na guerra da Argélia, Saint
Laurent perdeu seu lugar na maison. Ao lado do parceiro Pierre
Bergé, os dois decidiram abrir a
maison Yves Saint Laurent. Ele tinha 25 anos.
A partir dali, mais revoluções.
Saint Laurent propôs a forma Robin Hood, as transparências (inéditas), a coleção pop art, a Mondrian, a saariana, as calças compridas (num tempo em que as
mulheres vestidas com elas chegavam a ter problemas para entrar em restaurantes e hotéis),
além, é claro, do famoso smoking
e a androginia dos anos 70.
Saint Laurent foi também o primeiro a criar de fato, em 1966,
uma coleção em função das orientações industriais do prêt-à-porter que despontava, sem adaptar
as formas vindas da alta-costura.
O "pronto para usar" significa o
conceito de modelagens predeterminadas que serviram para popularizar e difundir a alta moda.
Em 99, a marca Yves Saint Laurent foi comprada pelo grupo
Gucci e, a partir de outubro, a linha Rive Gauche, de prêt-à-porter, passou a ser desenhada pelo
texano Tom Ford, que cria também para a Gucci. Ford tomou
conta dos acessórios, perfumes e
cosméticos. Por contrato, Saint
Laurent deveria ficar com duas
coleções de alta-costura por ano.
Yves estaria doente, mas também aborrecido por declarações
de Ford e pelo que vem sendo feito com seu nome, releituras contemporâneas dos arquivos do
mestre, com o agressivo approach
pregado pela dobradinha Ford/
Domenico de Sole (o chairman do
grupo Gucci).
A última coleção de Yves Saint
Laurent será mostrada em 22 de
janeiro de 2002, último dia da
temporada de alta-costura de primavera-verão, em Paris. É o canto
de um grande cisne.
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