São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2002

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ANÁLISE

Estilista é último representante de um período

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Chega ao fim a carreira do mais importante estilista vivo. Autor inconteste de sua própria mitologia, Yves Saint Laurent não quis esperar por sua morte para encerrar sua trajetória, num ato último de controle sobre sua criação. Aos 65 anos, abandona a costura, pendura a tesoura. Aos olhos de um leigo, talvez a decisão pareça estranha, já que o mais comum seria um estilista seguir, temporada após temporada, interpretando a moda. Aos olhos dos fashionistas, a medida parece coerente.
O mundo mudou, e as regras do jogo da moda se alteraram. Saint Laurent era o último representante de um período. Sua primeira coleção assinada data de 29 de janeiro de 1962. Naquela época, não existia a expressão "estilista". A geração do jovem Yves fazia parte foi denominada "créateurs", criadores, em oposição aos "costureiros", que conjugavam na alta-costura um estilo ditatorial.
Saint Laurent saiu, ele próprio, do universo da couture. Nascido na Argélia, estudava em Paris quando participou de um concurso. Seu vestido ganhou o primeiro prêmio, e ele foi imediatamente contratado para a maison Dior. Tinha apenas 17 anos. Christian Dior era o maior nome do gênero na época. Uma verdadeira celebridade. Por quatro anos, Saint Laurent assistiu o grande Dior, até sua morte abrupta, em 1957. Então, com 21 anos, Yves Saint Laurent assumiu a direção artística da famosa maison Dior.
É incrível como um nome que é hoje sinônimo de uma moda clássica tenha sido tão revolucionário. E ele foi o primeiríssimo a olhar para a moda das ruas. Na Dior Saint Laurent, começou a trazer para as sofisticadas passarelas da alta-costura os sinais das mudanças que os anos 60 veriam. Apareceram ali os vestidos em formato trapézio.
Quando foi convocado para servir na guerra da Argélia, Saint Laurent perdeu seu lugar na maison. Ao lado do parceiro Pierre Bergé, os dois decidiram abrir a maison Yves Saint Laurent. Ele tinha 25 anos.
A partir dali, mais revoluções. Saint Laurent propôs a forma Robin Hood, as transparências (inéditas), a coleção pop art, a Mondrian, a saariana, as calças compridas (num tempo em que as mulheres vestidas com elas chegavam a ter problemas para entrar em restaurantes e hotéis), além, é claro, do famoso smoking e a androginia dos anos 70.
Saint Laurent foi também o primeiro a criar de fato, em 1966, uma coleção em função das orientações industriais do prêt-à-porter que despontava, sem adaptar as formas vindas da alta-costura. O "pronto para usar" significa o conceito de modelagens predeterminadas que serviram para popularizar e difundir a alta moda.
Em 99, a marca Yves Saint Laurent foi comprada pelo grupo Gucci e, a partir de outubro, a linha Rive Gauche, de prêt-à-porter, passou a ser desenhada pelo texano Tom Ford, que cria também para a Gucci. Ford tomou conta dos acessórios, perfumes e cosméticos. Por contrato, Saint Laurent deveria ficar com duas coleções de alta-costura por ano.
Yves estaria doente, mas também aborrecido por declarações de Ford e pelo que vem sendo feito com seu nome, releituras contemporâneas dos arquivos do mestre, com o agressivo approach pregado pela dobradinha Ford/ Domenico de Sole (o chairman do grupo Gucci).
A última coleção de Yves Saint Laurent será mostrada em 22 de janeiro de 2002, último dia da temporada de alta-costura de primavera-verão, em Paris. É o canto de um grande cisne.


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