São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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TEATRO

Com mais de 20 anos de carreira, grupo mineiro acerta ao aliar técnica popular com tradição literária

Galpão atualiza e simplifica trama de "O Inspetor Geral"

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O Grupo Galpão não precisa provar mais nada. Vindo da rua, e com mais de 20 anos de estrada, já promoveu uma antológica releitura de um clássico ("Romeu e Julieta", consagrado na casa de Shakespeare, o Globe Theatre de Londres), consolidou-se com a criação coletiva "Um Trem Chamado Desejo" e agora, como o mentor Molière, concilia a melhor técnica popular com a preservação da tradição literária.
"O Inspetor Geral", é a escolha natural para esse momento do grupo. Conta a história de Klestacov, um vigarista confundido com um inspetor do Tzar à paisana em uma cidadezinha cheia de corruptos. Todas as autoridades, do prefeito ao chefe dos correios, o bajulam e subornam, até serem desautorizados. Uma peça, infelizmente, sempre atual, que desde a sua estréia em 1836 (Nicolai Gógol, seu autor, inaugurava com 25 anos uma carreira polêmica) costuma desafiar os diretores.
O encenador russo Meyerhold, outro menino terrível, revolucionou o teatro com sua versão, no começo do século 20; e o Brasil foi marcado por várias releituras do texto, da versão de Augusto Boal, no Arena, em 1966, até uma recente montagem de Cristiane Paoli-Quito, na Escola de Arte Dramática.
Mas o Galpão está além das revoluções. A adaptação do texto pelo elenco, supervisionada por Cacá Brandão, atualizou referências em um divertido falso russo, mas se concentrou em tornar a trama simples e eficiente. Afinal, o diretor Paulo José foi convidado antes de tudo para dirigir atores, coisa que ele faz muito bem, sobretudo com esse elenco afinado.
Assim, logo na primeira cena, quando o elenco inteiro sobe ao palco tocando seus instrumentos, demonstrando que a trilha será ao vivo, na melhor tradição popular, já se sabe que o Galpão não trairá as expectativas de seu público fiel. Os atores, afinados e harmônicos, brincam com as marcas e os clichês sem nunca ceder ao histrionismo de cacos e roubos de cena, amparados pela direção de arte que concilia luxo e despojamento.
Embora haja um cuidado na montagem de nunca supervalorizar um ator em detrimento de outro, é preciso fazer um destaque para o ator que faz Klestacov. Dançando cada marca com elegância, pondo o público no bolso com um erguer de sobrancelhas, Rodolfo Vaz chega com desenvoltura a uma rara excelência: lembra Charles Chaplin.
É com essa mistura de inocência de filme mudo e malícia de chanchada brasileira que o Galpão ganha a unanimidade nacional. Que se cuide o grupo: dele se esperará sempre montagens do nível deste


"O Inspetor Geral".
O Inspetor Geral
    
Direção: Paulo José
Com: grupo Galpão
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3000)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h; até 2/5
Quanto: de R$ 5 a R$ 10
Patrocinador: Petrobras



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