|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"VOZES INOCENTES"
El Salvador revisita seu conflito civil
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Primeiro foi "Machuca", o
filme chileno que interpretava o golpe militar de Augusto Pinochet (1973) pelos olhos de dois
garotos. Agora, "Vozes Inocentes" conta a história do pequeno
Chava, um carismático menino
salvadorenho que vê a favela onde
mora se despedaçar em meio a
combates entre guerrilha e governo, durante o conflito civil que
cindiu El Salvador nos anos 80,
matando mais de 70 mil pessoas.
Enredos que emocionariam
qualquer Victor Jara, ou outro autor latino-americano de canções
de protesto da década de 70
-com crianças oprimidas, governos tiranos, romances juvenis
e cenário natural lindíssimo-,
esses dois filmes têm, aos olhos de
hoje, tudo para resultarem em experiências lacrimosas e apelativas.
Aparte esse ponto de partida
inevitável, cada uma das produções citadas tem lá seus méritos. E
o principal é lançar luz a um período tão marcado pela disputa
ideológica com certo ar de ceticismo, como se o tempo passado já
oferecesse algum distanciamento
histórico e sentimental dos fatos.
Se "Machuca" se destacava por
expor o lado menos retratado do
golpe chileno, o dos que comemoraram o início da ditadura
sangrenta, "Vozes Inocentes" explora o ponto em que, em El Salvador, a violência passou a ser comum tanto às tropas do governo
quanto aos guerrilheiros.
Chava tem 11 anos. Aos 12, os
garotos salvadorenhos eram tirados à força das escolas para tomar
parte do Exército e combater a
guerrilha esquerdista FMLN
(Frente Farabundo Martí para la
Liberación Nacional).
Na escola, enquanto os mais velhos são colocados em filas para
empunharem armas, Chava está
decorando os, a essa altura, inúteis denominadores comuns.
Baseado numa história real, a
do roteirista salvadorenho Oscar
Torres, o filme tem seu eixo nas
dúvidas e escolhas do menino. De
um lado, ele crê que deve cumprir
a promessa que fez ao pai antes
deste fugir para os EUA, a de cuidar da mãe e dos irmãos e de ser
"o homem da casa".
De outro, quer seguir o tio, verdadeiro estereótipo do guerrilheiro barbudo que perambula com
um violão embaixo do braço, e tomar parte da frente "libertadora".
Não há economia nas cenas violentas. Casas incendiadas, enforcamentos, tiroteios e meninos
executados com balas na nuca são
lançados aos olhos do espectador,
para que este escolha seus bandidos e seus mocinhos.
Em tempos de balanço do papel
da Igreja Católica, é interessante
reparar no padre progressista que
permite que os guerrilheiros subam ao campanário da paróquia
para atirar nos soldados e prega:
"Rezar só já não basta".
Tanto "Vozes Inocentes" como
"Machuca" se inserem numa fornada de filmes latino-americanos
recentes que, voluntariamente ou
não, chamam a um revisionismo
histórico. Com mais ou menos lucidez, lustro comercial ou sentimentalismo, um punhado de produções tem abordado tanto o período de ditaduras no Cone Sul
como as raízes da opção revolucionária. O brasileiro "Diários de
Motocicleta" (Walter Salles) e os
argentinos "Kamchatka" (Marcelo Piñeyro) e "Cautiva" (Gaston
Biraben) são alguns deles.
É curioso que, pelo menos no cinema, o continente pareça se deitar no divã para tentar entender
suas opções políticas do passado,
justamente num momento em
que alguns vêem uma "guinada"
latino-americana à esquerda.
Se "Vozes Inocentes" contribui
ao debate, já vale ser visto, só não
esqueça de descontar a choradeira fácil e o romantismo bobo.
Vozes Inocentes
Voces Inocentes
Direção: Luis Mandoki
Produção: México/EUA/Porto Rico,
2004
Com: Leonor Varela, Adrian Alonso,
Daniel Giménez Cacho
Quando: a partir de hoje no Bristol, Frei
Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas
Artes e Jardim Sul
Texto Anterior: Crítica: "Estrangeiro" cria conto de insubordinação Próximo Texto: "Assalto à 13ª Delegacia": Para Hawke, filme de ação era chance de não se levar tão a sério Índice
|