São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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BIBLIOTECAS

Representantes de instituições do Brasil, Alemanha e França falam sobre obstáculos à digitalização de suas coleções

Colóquio aponta desafios do acervo virtual

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Reunidos anteontem no auditório do Masp, no colóquio "Biblioteca e Informação Digital -°A Herança Cultural e Científica como Bits e Bytes?", organizado pelo Instituto Goethe e Aliança Francesa, representantes das bibliotecas nacionais de Alemanha, Brasil e França ressaltaram que a falta de dinheiro, a resistência de bibliotecários mais conservadores e dúvidas sobre a vida útil dos suportes virtuais são alguns dos principais desafios à digitalização de suas coleções.
O estopim das discussões e recentes iniciativas foram as constantes propostas da ferramenta de busca Google para digitalizar acervos.
Angela Maria Monteiro Bettencourt, coordenadora de informações bibliográficas da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), lembra que a proposta da Google tocava na polêmica questão dos direitos autorais. E não era explícita quanto ao tratamento dos documentos digitalizados.
"A captura da imagem de uma obra é feita de forma rápida, quase mecânica. Mas o tratamento requer mais tempo e inteligência. Quase o mesmo trabalho de uma catalogação bibliográfica", diz a coordenadora, defendendo que o trabalho deve ser tocado pelos especialistas das bibliotecas.
A FBN iniciou o processo de digitalização de suas coleções em 2001, terceirizando os procedimentos. Desde 2003, a instituição conta com laboratórios próprios e alcançou um ritmo de 10 mil imagens digitalizadas por mês.
A ação é seletiva: são digitalizados primeiramente os documento mais raros, depois aqueles com maior necessidade de preservação e, por fim, os com maior demanda dos usuários, cujo manuseio deve ser reduzido.
"A digitalização oferece grandes vantagens principalmente num país com dimensões continentais como o Brasil, que tem déficit de bibliotecas. Digitalizando você democratiza o acesso para pessoas que estão em outros Estados. E é também uma forma eficaz de preservar originais", sustenta Bettencourt, que ainda neste mês coloca no ar uma nova versão, com mais recursos para o usuário, da biblioteca virtual da FBN.
A coordenadora da biblioteca brasileira diz ainda que um dos maiores desafios do processo é a dúvida quanto à vida útil dos arquivos, o que exige uma migração periódica para novos suportes. No caso de DVDs, por exemplo, a cada três anos.

França e Alemanha
A francesa Caroline Wiegandt, diretora-geral adjunta da biblioteca nacional francesa, concorda que a vida útil dos suportes é um problema. Ela tem criado resistência de "bibliotecários conservadores", que temem que a recorrente digitalização de obras possa comprometer sua preservação. Estes mesmos conservadores acreditam ainda que a digitalização, na França, pode vir a esvaziar as bibliotecas físicas.
Para Wiegandt, ainda que alguns já tenham compreendido que o processo se limitará a obras de domínio público -ou seja, títulos cujos autores tenham morrido há pelo menos 70 anos-, autores, editores e livreiros vêem uma concorrência desleal na idéia de gratuidade do acesso.
"O que me parece mais certo é que o modelo econômico editorial vai mudar nos anos por vir", diz Wiegandt.
A alemã Elisabeth Niggemann, diretora da Deutsche Bibliothek, e uma das coordenadoras do projeto da Biblioteca Digital Européia, falou da importância de atrair para as instituições o público que procura cada vez mais as ferramentas de busca para pesquisas.
"Com a concorrência das ferramentas de busca, as bibliotecas nacionais passaram a ter como desafio reunir a qualidade de seus conteúdos e especialistas, à qualidade tecnológica dessas ferramentas. O usuário tem essa expectativa e não queremos decepcioná-lo", salientou Niggemann.
Segundo a alemã, a maior barreira à digitalização de acervos ainda é a falta de dinheiro. Niggemann mostrou que, somente na Alemanha, o volume de obras impressas entre 1500 e 1900 (cerca de 2 milhões) quase quintuplicou no período de 1901 e 2005 (cerca 9,2 milhões de documentos).
"Temos pouco dinheiro. Onde investir é uma questão estratégica importante. Não decidimos ainda se queremos uma digitalização maciça ou seletiva."


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