São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2000


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DISCO/CRÍTICA
Política volta à música no novo disco

do enviado ao Rio

Não deverão faltar reclamações contra o novo álbum de Zé Ramalho. Afinal, ele traz de volta valores que muitos adoram supor mortos e enterrados: canção de protesto, ideologia, contestação, dicotomias entre esquerda e direita, no limite panfleto e messianismo.
Tais conceitos talvez só estejam mortos e enterrados nas mentes doentias (e ultra-ideológicas) de políticos paulistas e baianos e de seus pares, mas é inevitável que "Nação Nordestina" cause estranheza. O dom agreste (e sempre político) de Zé Ramalho volta agora explícito, caceteando mazelas em registros que variam da eficácia à ingenuidade.
Integra um "espírito de tempo" -não foi de propósito que ele sincronizou o que chama de seu "brado" com violências contra índios e ameaças veladas de que se joguem os poderes armados contra os sem-terra.
"Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, a mais anacrônica das canções, ressurge grandiloquente, em arranjo entre cinematográfico e didático (cortesia do sempre afiado produtor Robertinho de Recife). E não destoa do momento, mesmo com a carga pesada de pieguice que a ronda. É uma linda canção, numa poderosa versão.
Dela, da poeticamente complexa "Temporal" (Bráulio Tavares-Fuba) e da bem mais simples, mas cortante "O Meu País" emanam signos que devem desagradar os que acham que política é chatice, mas funcionam, sim, como campo de partida a um rico compêndio musical, quase a uma sinfonia.
Sua "Nação Nordestina" é até desordenada, no mundão de gente que carrega. Vão aparecendo Naná Vasconcelos, Dominguinhos, Hermeto Paschoal (num antológico tema instrumental de Zé, "Violando com Hermeto"), Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Fagner, Flávio José (na impagável "Paraí-Ba"), os baianos eletrificados Armandinho e Pepeu Gomes.
Descontadas certas contradições, casam-se com perfeição politizar a música e dar voz aos segmentos massacrados dos sertões. Nordestino aqui não é o triunfalismo à Porto Seguro, mas sim o reconhecimento (inclusive de fole de zabumba) das dores provocadas de dentro e de fora.
De rara beleza, então, resulta a voz afinada de Ivete Sangalo apanhando "Amar Quem Eu Já Amei" (de João do Vale), num lamento de ter que "trabalhar para quem trabalhei", de "ser mais escravo do que hoje sou" -é possível não pensar em Globo, Xuxa, ACM?
A vida sertaneja vai sendo recortada pelo entremeio de política a momentos íntimos, como das dores de êxodo de "Lamento Sertanejo" (Dominguinhos-Gilberto Gil) ou da cítara à George Harrison de "Bandeira Desfraldada" (Vital Farias).
Zé vai afagando, com voz a cada dia mais grave e música ainda acertando a mira, "os alicerces das ilhas roídos pelos cupins", como relata a letra de "Temporal". E tudo, enfim, faz sentido à beça na ilha de Vera Cruz. (PAS)


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Disco: Nação Nordestina Artista: Zé Ramalho Lançamento: BMG Quanto: R$ 30, em média

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