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DISCO/CRÍTICA
Política volta
à música no
novo disco
do enviado ao Rio
Não deverão faltar reclamações contra o novo álbum de Zé Ramalho. Afinal,
ele traz de volta valores que
muitos adoram supor mortos e enterrados: canção de
protesto, ideologia, contestação, dicotomias entre esquerda e direita, no limite
panfleto e messianismo.
Tais conceitos talvez só estejam mortos e enterrados
nas mentes doentias (e ultra-ideológicas) de políticos
paulistas e baianos e de seus
pares, mas é inevitável que
"Nação Nordestina" cause
estranheza. O dom agreste (e
sempre político) de Zé Ramalho volta agora explícito,
caceteando mazelas em registros que variam da eficácia à ingenuidade.
Integra um "espírito de
tempo" -não foi de propósito que ele sincronizou o
que chama de seu "brado"
com violências contra índios
e ameaças veladas de que se
joguem os poderes armados
contra os sem-terra.
"Pra Não Dizer Que Não
Falei das Flores", de Geraldo
Vandré, a mais anacrônica
das canções, ressurge grandiloquente, em arranjo entre
cinematográfico e didático
(cortesia do sempre afiado
produtor Robertinho de Recife). E não destoa do momento, mesmo com a carga
pesada de pieguice que a
ronda. É uma linda canção,
numa poderosa versão.
Dela, da poeticamente
complexa "Temporal"
(Bráulio Tavares-Fuba) e da
bem mais simples, mas cortante "O Meu País" emanam
signos que devem desagradar os que acham que política é chatice, mas funcionam,
sim, como campo de partida
a um rico compêndio musical, quase a uma sinfonia.
Sua "Nação Nordestina" é
até desordenada, no mundão de gente que carrega.
Vão aparecendo Naná Vasconcelos, Dominguinhos,
Hermeto Paschoal (num antológico tema instrumental
de Zé, "Violando com Hermeto"), Elba Ramalho, Ivete
Sangalo, Fagner, Flávio José
(na impagável "Paraí-Ba"),
os baianos eletrificados Armandinho e Pepeu Gomes.
Descontadas certas contradições, casam-se com
perfeição politizar a música
e dar voz aos segmentos
massacrados dos sertões.
Nordestino aqui não é o
triunfalismo à Porto Seguro,
mas sim o reconhecimento
(inclusive de fole de zabumba) das dores provocadas de
dentro e de fora.
De rara beleza, então, resulta a voz afinada de Ivete
Sangalo apanhando "Amar
Quem Eu Já Amei" (de João
do Vale), num lamento de
ter que "trabalhar para
quem trabalhei", de "ser
mais escravo do que hoje
sou" -é possível não pensar em Globo, Xuxa, ACM?
A vida sertaneja vai sendo
recortada pelo entremeio de
política a momentos íntimos, como das dores de êxodo de "Lamento Sertanejo"
(Dominguinhos-Gilberto
Gil) ou da cítara à George
Harrison de "Bandeira Desfraldada" (Vital Farias).
Zé vai afagando, com voz a
cada dia mais grave e música
ainda acertando a mira, "os
alicerces das ilhas roídos pelos cupins", como relata a letra de "Temporal". E tudo,
enfim, faz sentido à beça na
ilha de Vera Cruz.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Nação Nordestina
Artista: Zé Ramalho
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 30, em média
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