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MÚSICA/CRÍTICA
Show que rendeu ao músico aplausos de 25 minutos da platéia japonesa é transformado em álbum
Em apresentação no Japão, João Gilberto continua nos detalhes
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Alguém deveria fazer um estudo sobre a arte do aplauso.
O ato de chocar uma mão na outra, produzindo som em sinal de
satisfação, é revelador tanto da
platéia que aplaude quanto do artista que é aplaudido. No Brasil,
em apresentações musicais e de
teatro, costumamos aliá-lo a assobios agudos e gritinhos, além de
todos se levantarem das cadeiras.
Nos EUA, não é raro ouvir gritos de "bravo!" ou "brava!" acompanhando as manifestações, especialmente em concertos; nas peças, como não são tão "cordiais"
como nós, só se levanta quem
realmente achou o espetáculo
inesquecível, não há demérito nenhum em ficar sentado. Já o japonês é mais contido, mas persistente -são aplausos secos, mas duradouros.
Na verdade, alguém já fez esse
estudo. Está no livro "Gestures,
Their Origins and Distribution"
(Gestos, Suas Origens e Ocorrências, ed. Stein and Day, 1979), de
Desmond Morris, em que de quebra o zoologista revela a origem
do dedo médio esticado como
ofensa e do polegar levantado como sinal de que as coisas vão bem.
Segundo Morris, o aplauso é parcialmente instintivo, pois bebês
de meses de idade já o fazem em
sinal de felicidade.
Foi em sinal de felicidade que
milhares de japoneses aplaudiram por 25 minutos o final de
uma das apresentações de João
Gilberto em Tóquio. Pense na última vez que você aplaudiu e se
imagine fazendo isso por 25 minutos. Existe algum artista que
mereceria tal deferência? Vinte e
cinco minutos. Diz a lenda que o
aplauso mais longo registrado antes desse foi para a lendária Maria
Callas (1923-1977), no teatro La
Scala, de Milão.
Claro que os 25 minutos não estão registrados no CD "João Gilberto in Tokyo", que a Universal
lança agora no Brasil. Mas poderiam, pois todas as faixas e o conjunto em geral merecem.
São 15 músicas apresentadas
por João, ele e violão, que abre a
noite de 12 de setembro de 2003
no Tokyo International Forum
Hall A falando "Kon-ban-wa"
(boa-noite, em japonês) e dedilha
em seguida repertório que vai de
"Bolinha de Papel" a "Rosa Morena", passando por "Lígia" e outras, como sempre.
Detalhes
Como sempre? Não exatamente. Primeiro porque é o primeiro
registro em CD da linda "Louco",
de Henrique de Almeida e Wilson
Batista, que João cantou na Itália
conforme mostra o documentário "Bahia de Todos os Sambas"
(1984-96) e canta eventualmente
aqui e ali, mas nunca tinha gravado em disco dele.
Segundo porque, embora há alguns anos o baiano da bossa se
dedique às mesmas 30 músicas,
na maioria sambas velhos que ele
desenterrou e deu nova forma ou
marcos do movimento que ajudou a inventar, uma apresentação
nunca é igual à outra, um registro
seu, embora aparentemente idêntico na forma, traz detalhes diferentes que só o iniciado é capaz de
perceber.
(Pois que João é para iniciados,
que o resto nos perdoe.)
Assim, em "Corcovado" ele
cantarola entre um bloco e outro,
triste, triste; revoluciona o final de
"Wave", mudando toda a estrutura do violão e terminando em
agudo; e reinventa completamente "Adeus América".
Como escreve no texto de divulgação Kazufumi Miyazawa, cantor (e não "cantora", como vem
identificado incorretamente) da
banda The Boom, "João é o equivalente do Brasil".
Só que melhor.
João Gilberto in Tokyo
Artista: João Gilberto
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 37,50
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