São Paulo, sábado, 08 de agosto de 2009

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"Não incluí nada que Hemingway não tivesse escrito"

Sean se defende das acusações do biógrafo do avô e afirma que edição de 1964 também não saiu como foi concebida

Reedição inclui mais de dez começos diferentes imaginados por Ernest Hemingway, mas não traz final, como na 1ª edição

Hulton Archive/Getty Images
Hemingway e a segunda mulher, Pauline, pivô da controvérsia da reedição de ‘Paris É uma Festa’


RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

O retrato do escritor Ernest Hemingway quando jovem acaba de ganhar outros traços, quase meio século depois.
"Paris É uma Festa" (1964), o livro em que o americano relata suas vivências na França nos anos 20, com colegas como Gertrude Stein e James Joyce, ganhou no último mês uma "Restored Edition" (edição restaurada) nos EUA. A reedição, que inclui as versões mais recentes dos manuscritos do escritor, ficou a cargo do neto Sean Hemingway e feriu brios como os de A.E. Hotchner, biógrafo e amigo de Hemingway.
Há duas semanas, em artigo no "New York Times", o biógrafo acusou Sean de ter "retrabalhado" o texto "por não gostar do que o original dizia sobre a sua avó, a segunda mulher de Hemingway". O motivo seria o capítulo final, no qual Hemingway conta como Pauline (avó de Sean) se fez de amiga de sua primeira mulher antes de virar amante dele. Sean, segundo Hotchner, trocou partes do texto só para "pintar sua avó sob uma luz mais simpática".
Acontece que Hemingway não acompanhou a edição de 1964. Ele estava morto fazia três anos quando ela saiu. Quem a editou, na época, foi Mary, a quarta mulher. Hotchner diz que viu os rascunhos meses antes de o escritor morrer e que estavam finalizados.
Em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, de Nova York, o neto de Hemingway diz que o avô nunca concluiu o livro. "Ele refez os rascunhos por anos, como mostram os fac-símiles incluídos na reedição. Mary foi cuidadosa, mas precisava de um final para a obra, e isso era algo que meu avô não tinha", afirma Sean, curador-associado do Museu de Arte Metropolitana de NY. "Ela mudou o trecho em que ele fala de Pauline para que a primeira mulher não terminasse mal."
Os manuscritos estão disponíveis na Kennedy Library, em Boston, e já renderam vários estudos. O mais conhecido deles conclui que Mary fez mudanças substanciais nos originais. Outro inclui uma carta, nunca enviada, na qual Hemingway pede aos editores que ainda não publiquem o livro.
"É possível que Mary não tenha enviado a carta porque naquele momento já não acreditava na capacidade de julgamento do marido", diz à Folha Sandra Spanier, professora da Universidade do Estado da Pennsylvânia e estudiosa da obra do escritor, referindo-se ao fato de ele tê-la escrito meses antes de se suicidar.
"Não fui o primeiro a ver as alterações e também não incluí nada que meu avô não tivesse escrito", argumenta Sean.
Mary admitiu as intervenções na época. Ao "New York Times", em 1964, disse ter mudado a ordem dos capítulos e criado o prefácio. A primeira edição ainda excluiu correções de Hemingway que amenizavam o tratamento dado a colegas, como Scott Fitzgerald.
"Eles usaram alguns dos rascunhos sabendo que não eram os finais", afirma Sean. Mas o neto do escritor também manteve algumas versões anteriores. Ele pôs na reedição mais de dez inícios diferentes escritos por Hemingway, mas deixou-a sem final. O texto sobre Pauline surge só como apêndice, numa versão em que Hemingway assume sua parcela de culpa.
"É preciso que as pessoas entendam que o livro de 1964 também foi editado por outros, não saiu como Hemingway escreveu. Não era um texto sagrado", diz Spanier. "É bom ter acesso às duas edições."
No Brasil, a Bertrand tem os direitos da obra do escritor. "Não vamos mexer na nossa", diz o editor Rafael Goldkorn.


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