São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"O LEGADO DE ESZTER"

Romance do húngaro Sándor Márai foi escrito em 38

Livro expõe ambiguidades do crepúsculo da vida

Associated Press
Vagões descarrilhados por manifestação anti-soviética em Budapeste, em 1956; Márai opôs-se ao comunismo e fixou-se nos EUA


DA REDAÇÃO

A protagonista de "O Legado de Eszter" é uma velha senhora. Está no crepúsculo de sua existência, mas, de repente, surge uma chance, talvez a última, de mudar o rumo de sua vida. Entretanto, ela prefere se calar.
Personagens idosos, à beira do abismo de sua existência, imóveis frente a decisões cruciais, compõem um recorrente tema literário. Basta citar, de passagem, García Márquez ("O Amor nos Tempos do Cólera") ou Dino Buzzati ("O Deserto dos Tártaros").
Em "O Legado de Eszter", do húngaro Sándor Márai, acompanhamos as 24 horas do dia mais importante da vida de Eszter. Mas, para entendê-lo, é preciso voltar um pouco no tempo.
Há 20 anos, Eszter era uma mulher jovem, que vivia numa bela casa de campo, com os pais e a irmã Vilma, com quem não se relacionava nada bem. Os pais morrem, a irmã rouba o homem que ela amava e casa-se com ele. Eszter fica só na (agora melancólica) casa de sua infância.
O homem que a preteriu é Lajos, um mentiroso sedutor, que ganhara a confiança da família, inventara promissórias, falsificara jóias e roubara a todos. Lajos não é só um enganador profissional, é um ator extravagante, que diverte e arma espetáculos com pessoas e situações reais. Pelo seu show, porém, ele sempre tem um preço, nem que seja um enfeite da casa ou uma compota de frutas.
No dia em que se passa o romance, Eszter recebe a visita de Lajos, 20 anos depois da última vez que o vira. Lajos, o prestidigitador, havia desaparecido depois de cobrir-se de dívidas e de ter ficado viúvo da irmã de Eszter.
Agora, a protagonista é uma mulher madura, envelhecida, e, se há um assunto sobre o qual refletiu nas últimas duas décadas, é a maneira como Lajos age, pensa e danifica existências alheias.
Entretanto, ela o recebe e aceita mais uma vez o jogo que ele lhe propõe, armação da qual ela sabe que sairá perdendo. Apesar disso, fica calada, consentindo novamente com a armadilha de Lajos.
Curiosamente, é possível arriscar um paralelo entre a vida do escritor húngaro e o desfecho de "O Legado de Eszter", romance que escreveu em 1938.
Márai (1900-1989) foi um dos autores húngaros mais prestigiados do país antes da Segunda Guerra. Em 1948, inconformado com a ingerência soviética na Hungria, deixa o país. Vive alguns anos na Itália, depois fixa residência em San Diego, na Califórnia. Segue escrevendo, sempre em húngaro, e recusa-se a voltar à Hungria antes do último soldado soviético deixar o país.
Em 1989, mesmo ano em que a queda do Muro de Berlim poderia fazê-lo vislumbrar uma oportunidade de voltar à sua terra natal, Márai suicida-se, aos 89, meses depois da morte de sua mulher.
Como Eszter, de quem investiga as ambiguidades, também ele pode ter considerado difícil mudar o enredo da existência no último ato. (SYLVIA COLOMBO)

O Legado de Eszter
Eszter Hagyatéka
    
Autor: Sándor Márai
Tradutor: Paulo Schiller
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (113 págs.)


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