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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O LEGADO DE ESZTER"
Romance do húngaro Sándor Márai foi escrito em 38
Livro expõe ambiguidades do crepúsculo da vida
Associated Press
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Vagões descarrilhados por manifestação anti-soviética em Budapeste, em 1956; Márai opôs-se ao comunismo e fixou-se nos EUA |
DA REDAÇÃO
A protagonista de "O Legado de Eszter" é uma velha
senhora. Está no crepúsculo de
sua existência, mas, de repente,
surge uma chance, talvez a última,
de mudar o rumo de sua vida. Entretanto, ela prefere se calar.
Personagens idosos, à beira do
abismo de sua existência, imóveis
frente a decisões cruciais, compõem um recorrente tema literário. Basta citar, de passagem, García Márquez ("O Amor nos Tempos do Cólera") ou Dino Buzzati
("O Deserto dos Tártaros").
Em "O Legado de Eszter", do
húngaro Sándor Márai, acompanhamos as 24 horas do dia mais
importante da vida de Eszter.
Mas, para entendê-lo, é preciso
voltar um pouco no tempo.
Há 20 anos, Eszter era uma mulher jovem, que vivia numa bela
casa de campo, com os pais e a irmã Vilma, com quem não se relacionava nada bem. Os pais morrem, a irmã rouba o homem que
ela amava e casa-se com ele. Eszter fica só na (agora melancólica)
casa de sua infância.
O homem que a preteriu é Lajos, um mentiroso sedutor, que
ganhara a confiança da família,
inventara promissórias, falsificara
jóias e roubara a todos. Lajos não
é só um enganador profissional, é
um ator extravagante, que diverte
e arma espetáculos com pessoas e
situações reais. Pelo seu show, porém, ele sempre tem um preço,
nem que seja um enfeite da casa
ou uma compota de frutas.
No dia em que se passa o romance, Eszter recebe a visita de
Lajos, 20 anos depois da última
vez que o vira. Lajos, o prestidigitador, havia desaparecido depois
de cobrir-se de dívidas e de ter ficado viúvo da irmã de Eszter.
Agora, a protagonista é uma
mulher madura, envelhecida, e, se
há um assunto sobre o qual refletiu nas últimas duas décadas, é a
maneira como Lajos age, pensa e
danifica existências alheias.
Entretanto, ela o recebe e aceita
mais uma vez o jogo que ele lhe
propõe, armação da qual ela sabe
que sairá perdendo. Apesar disso,
fica calada, consentindo novamente com a armadilha de Lajos.
Curiosamente, é possível arriscar um paralelo entre a vida do escritor húngaro e o desfecho de "O
Legado de Eszter", romance que
escreveu em 1938.
Márai (1900-1989) foi um dos
autores húngaros mais prestigiados do país antes da Segunda
Guerra. Em 1948, inconformado
com a ingerência soviética na
Hungria, deixa o país. Vive alguns
anos na Itália, depois fixa residência em San Diego, na Califórnia.
Segue escrevendo, sempre em
húngaro, e recusa-se a voltar à
Hungria antes do último soldado
soviético deixar o país.
Em 1989, mesmo ano em que a
queda do Muro de Berlim poderia
fazê-lo vislumbrar uma oportunidade de voltar à sua terra natal,
Márai suicida-se, aos 89, meses
depois da morte de sua mulher.
Como Eszter, de quem investiga
as ambiguidades, também ele pode ter considerado difícil mudar o
enredo da existência no último
ato.
(SYLVIA COLOMBO)
O Legado de Eszter
Eszter Hagyatéka
Autor: Sándor Márai
Tradutor: Paulo Schiller
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (113 págs.)
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