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São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2003

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"PÉROLAS AOS POUCOS"

Brasil e paternidade se esparramam pelo novo álbum

DA REPORTAGEM LOCAL

O CD anterior de Zé Miguel Wisnik, "São Paulo Rio" (2000), tentava dinamitar a velha rivalidade entre as duas maiores cidades brasileiras. "Pérolas aos Poucos", sem programá-lo, se esparrama pelo resto do Brasil.
Vem repleto de referências ao Nordeste, principalmente. Nisso chega a se parecer, também sem querer, com o segmento nordestino de sua geração cindida -a que pertencem Fagner, Belchior, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo etc.
Salpica o disco de alegria no forró "Baião de Quatro Toques", em que ele e Jussara Silveira dão umbigadas no texto que brinca de levar Beethoven ao sertão.
Em "Valsa Azul", põe letra em tema lírico de um dos reis do frevo pernambucano, Nelson Ferreira. Depois, confessa o contraditório -"Sou Baiano Também".
Caetano Veloso aparece em dueto na também muito agreste "Assum Branco", comentário musical ao clássico "Assum Preto", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A mesma Gal Costa que reinventou "Assum Preto" em 71 lançara "Assum Branco" ao quase-anonimato, em 98.
O disco não se recolhe no Nordeste, entretanto. O Rio Grande do Sul é visitado na também alegrinha "O Extremo Sul". Musicando o poema "Anoitecer", de Carlos Drummond de Andrade, nos arremessa às Minas Gerais.
Até o Rio resplandece em "Presente", pela voz marota de Elza Soares. A São Paulo natal de Wisnik fica mais implícita, guardada talvez na literatura precisa de seus versos. Desnuda-se, indiretamente, no exercício de coragem que é "DNA", original canção de origem sobre paternidade e filiação.
A mesma questão está de volta no encontro com Caetano em "Assum Branco", que contrapõe o sonho de liberdade às alternativas de cegueira e prisão do pássaro preto cantor de Gonzagão.
A perfeita interpretação de Caetano evidencia o que já se sabe de Wisnik -como intérprete ele é tímido, sibilante, veste de elegância demais as altas canções que compõe. Diante do pai Caetano, oscila e vacila. Mas enfrenta negá-lo, cantando em dueto com ele.
Tampouco Wisnik reconhece que pretenda negar Luiz Gonzaga, mas a tensão entre sina de gaiola e liberdade de cantar está ali colada, pulsando. Como pulsam os termos de ausência e vazio de "Tempo sem Tempo", "Sem Receita", "Sem Palavras". Wisnik não se declara pelo "sim" nem pelo "não", mas pelo "sem", pelo vácuo quase silencioso. Talvez ainda se acredite postiço. Sem ser.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Pérolas aos Poucos


   
Artista: Zé Miguel Wisnik
Lançamento: Maianga
Quanto: R$ 28, em média



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