São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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ARTES VISUAIS

Distrito de Pequim que foi símbolo da Revolução Comunista é ocupado hoje por artistas, livrarias e galerias

Arte chinesa tem impulso em área industrial

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

Símbolo da Revolução Comunista e do hoje inexistente laço entre China, Alemanha Oriental e União Soviética, o distrito industrial de Dashanzi, no nordeste de Pequim, se transformou em um dos principais centros da produção artística contemporânea chinesa, com a gradual ocupação de seus imensos espaços vazios por pintores, escultores, performáticos e fotógrafos, aos quais se seguiram estilistas, galerias de arte, livrarias, bares e restaurantes.
Longe do centro de Pequim, o distrito parece um território livre com regras próprias, onde fotos de corpos nus escapam da censura chinesa e são exibidas abertamente. A produção artística se mistura às fábricas que continuam a funcionar na região, e estúdios de escultores ficam a passos de uma fábrica de esculturas, que produz séries de Mao Tse-tungs e dragões chineses.
Ainda que sujeita a "releituras" e "reinterpretações", a presença de Mao e de sua Revolução Cultural são onipresentes no lugar. Dashanzi engloba um conjunto de fábricas construído na década de 50 por cerca de cem arquitetos e engenheiros da então Alemanha Oriental, com apoio da extinta União Soviética. Inspirados na escola Bauhaus, os edifícios possuem amplos espaços internos, com tetos altos construídos em sucessões de semicírculos que terminam em paredes envidraçadas. O mais célebre é a Fábrica 798 (todas são identificadas por números), hoje endereço do maior local de exposições do Dashanzi.
Em suas paredes, ainda estão slogans da Revolução Cultural (1966-76), que marcou o auge do culto à personalidade do ex-dirigente do país. "O presidente Mao é imortal", diz uma das frases, repetindo expressão usada apenas em relação aos imperadores.
Algumas das fábricas foram fechadas e estavam abandonadas até dois anos, quando os primeiros artistas começaram a ocupá-las, em busca de espaço, preços baixos e liberdade para criar. O pintor e escultor Fu Lei, 46, chegou em fevereiro de 2003. Escolheu a parte final de um longo e escuro corredor, levantou paredes, trocou a janela e pintou o local (funciona como atelier e casa).
Mas a moradia não é gratuita. A fábrica cobra aluguel e, apesar de ele ser mais baixo do que em outras regiões, os valores estão em alta. A inflação de preços é conseqüência do aumento da popularidade do local e da abertura de novos pontos comerciais.
A galeria White Space é uma das recentes aquisições do Dashanzi. Inaugurada há seis meses, pertence ao alemão Alexander Ochs. Para Ochs, não existe "arte" contemporânea chinesa, mas sim "artistas" contemporâneos chineses. Ele organiza o que chama de "diálogos": mostras de artistas chineses ao lado de estrangeiros. No domingo, foi a abertura da mostra "Universal Figure", que reuniu o pintor alemão A.R. Penck e o chinês Lu Sheng Zhong, 53, que trabalha com papel cortado.
Filho de camponeses, Lu diz que tenta utilizar uma forma tradicional de arte na China, o corte de papel, de uma maneira contemporânea. "A China começou sua transformação econômica na década de 80 e, apesar de ter entrado na sociedade moderna, ela ainda guarda muitas das características da sociedade rural", afirma Lu.
Mesmo com o vertiginoso crescimento econômico e a rápida industrialização, 60% do 1,3 bilhão de chineses ainda vivem na zona rural. Talvez por isso, a produção artística de camponeses tem lugar em Dashanzi, com uma galeria especializada no tema, a Soul Collection Gallery.
O distrito esteve prestes a desaparecer para dar lugar a um moderno parque industrial. A idéia foi abandonada pelo governo em parte graças à pressão dos artistas.
O governo deixou de lado a desconfiança em relação à comunidade de artistas e apoiou o primeiro Festival Internacional de Arte Dashanzi, em maio, com exposições, performances, workshops, shows e vídeos.

Bienal
Quatro dos que apresentaram seus trabalhos na galeria de Berlim do alemão Alexander Ochs foram convidados para participar da próxima Bienal de São Paulo, que abre no próximo dia 25: Chen Shaofeng, Yin Xiuzhen, Song Dong e Xu Bing. A arte tradicional chinesa, a manutenção da vida rural em amplas regiões do país e a rápida transformação econômica das cidades são alguns dos temas. Com estilos diferenciados, todos se dedicam à reflexão sobre a identidade chinesa em seu confronto com o Ocidente.
A rápida mudança das cidades chinesas encontra eco no trabalho de Yin Xiuzhen, há mais de dez anos casada com Song Dong. Yin criou "cidades portáteis" miniaturas de lugares como Pequim e Xangai montadas em malas.
Song Dong utiliza fotografia, vídeos e instalações e faz referência à rápida urbanização da China. Chen Shaofeng pintou retratos de cerca de 200 moradores de vilas rurais e pediu que os camponeses pintassem o seu retrato. As obras são expostas lado a lado.
Xu Bing, radicado nos EUA, utiliza base de seus trabalhos na caligrafia chinesa.


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