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MÚSICA ERUDITA CRÍTICA
Viena foi para ouvidos, alma, coração
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Uma orquestra dessas, num
concerto desses, não é para ser
ouvida só com os ouvidos: é para
ser ouvida com a espinha, ou alma, ou inconsciente, ou coração.
Toda a beleza do som da Filarmônica de Viena ainda é pouca,
para as grandezas maiores da música viva, ressoando na platéia viva de música. Seu concerto de anteontem, na Sala São Paulo, foi
quase perfeito, talvez o grau mais
elevado e humano da perfeição.
A beleza do som da Filarmônica
é fabulosa, no sentido estrito do
termo: tema de mitos e fábulas.
Não são só os sopros e metais, de
técnica idiossincrática. As cordas,
também, criam uma memória
nova para a palavra "violino".
Som e idéia se conjugaram na
"Quarta Sinfonia" de Brahms
(1833-97), regida com acentos
menos melancólicos que o de hábito por Lorin Maazel. A "Quarta" parece, ainda mais do que as
outras, uma sinfonia de câmara.
Não só pelas texturas e o tratamento dos motivos, mas porque
faz da platéia (como via Schoenberg) uma multidão de solitários,
cada um revivendo "brahmsianamente" seus afetos.
"Parece um CD", comentava
uma amiga, entusiasmada, no intervalo. Não parece. Compreende-se o que ela quis dizer: a orquestra é perfeita, com ataques
perfeitos, nenhum deslize (ou
quase nenhum: a trompa humanizou o ideal). Mas nenhum CD
consegue reproduzir esse som, se
espalhando pela platéia, nem
muito menos a presença dos músicos. Música é isso; o resto é disco.
Passar de Brahms a Ravel (1875-1937) é um tanto estranho. Da
"Quarta" para a "Rapsódia Espanhola", a distância é mais ou menos como a de Hamburgo a Mallorca. O ar é outro, a luz é outra, a
língua é outra. Nada foi melhor
do que a "Rapsódia" -é um alento pensar que isso é verdade mesmo sabendo que, aqui e ali, a Filarmônica vacilou um pouco. O
solo de oboé, por exemplo, foi
(para os padrões da orquestra)
abaixo do padrão.
Mas as transparências e sedas
de Ravel ganharam um tradutor
predestinado, cheio de sol e sal, na
figura desses senhores sóbrios de
Viena.
Foi saudável passar da melancolia sexual de Brahms para a sexualidade melancólica de Ravel.
Mas foi melhor ainda passar depois para a sexualidade sem melancolia do balé "O Pássaro de Fogo" de Stravinski (1882-1971). A
"Rapsódia" tem aqui (na "Berceuse") sua maior homenagem,
uma superação do que não se supera.
Contrabaixos tiveram ocasião
de mostrar do que são capazes, e o
contrafagote também. E o violoncelo, inexplicável, pôde dançar
seu "pas de deux", inevitável, com
a violina, inesquecível. Em plena
luz da noite, uma felicidade.
Lorin Maazel é sempre um prazer de se ouvir e discreto de ver.
Regeu tudo de cor, sem histrionismo, como quem tem a música
na palma das mãos. Tem mesmo.
Há seis anos, com a Orquestra de
Pittsburgh, regeu em São Paulo a
"Rapsódia" (que já gravara antes
com a Orquestra de Paris). Seis
anos depois, seu Ravel ficou mais
vivido e mais leve. Mais "avienado": tranqüilo, sem perder a malícia; malicioso, sem perder a sinceridade.
No bis ("Daphnis et Chloé", de
Ravel) e nos tris (valsas de
Strauss), maestro e orquestra estavam claramente se divertindo, e
nós também. Uma prévia do concerto do Ano Novo 2000.
Que orquestra. Que concerto.
Música faz bem.
Avaliação:
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