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"A Hora da Estrela" volta à cidade grande
CRISTIAN AVELLO CANCINO
free-lance para a Folha
Macabéa caminha a esmo tropeçante pela vastidão de uma urbe opressora, indiferente aos desajeitados. Mas essa mesma cidade (estamos falando de São Paulo) é sentenciosa com quem não a
compreende.
A cineasta Suzana Amaral debutou na direção contando essa
história, adaptando "A Hora da
Estrela", um dos grandes romances de Clarice Lispector, e compreendeu a cidade com angústia e
inquietação que poderão ser sentidas a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema, que põe o
poderoso "A Hora da Estrela" em
cartaz até o dia 4 de novembro, no
ciclo "Cinema e Literatura".
Marcélia Cartaxo, que viveu a
retirante Macabéa e ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no
Festival de Berlim em 1986, encarna o desassossego -daqueles
que migraram do Nordeste para a
cidade grande- com gestos comedidos, olhar tímido, fazendo-se de assustada, mas nunca sem
dignidade.
Macabéa deseja compreender o
comportamento desbocado dos
que a rodeiam -ouve a rádio Relógio Federal para isso- quer namorar, passear no metrô, o que
lhe desata o sorriso.
O filme lembra "A Vida Sonhada dos Anjos". A França parece
descobrir tardiamente, também
com filmes como "O Ódio", o hiper-realismo que marcou o cinema brasileiro nas décadas passadas, quando nossos cineastas não
se preocupavam com o Oscar. Era
preciso conhecer o Brasil, e somente isso.
E aqui Macabéa aparece como
uma tímida impertinente que
nem mesmo consegue realizar
com competência o trabalho de
datilógrafa. Seu chefe diz, a certa
altura: "Porra, se ainda fosse gostosa". É demitida, claro, no mundo normatizado de uma cidade
como São Paulo não há lugar para
os feios, que o lugar de sujos, desempregados e humildes é a rua.
Suzana Amaral, sabendo dessas
intransigências, deixou-se levar
por uma pulsão transformadora
que teve gênese na experiência
também dolorosa de Clarice Lispector, verdadeiramente uma
nordestina, apesar de ter nascido
na Ucrânia.
Durante seus últimos anos de
vida (morreu em 1977), Clarice
sentia nostalgia pelo Recife, onde
passara a infância antes de se mudar para o Rio. Para matar a saudade, visitava a feira nordestina
que ocorre aos domingos no bairro de São Cristóvão. Lá, se acalentava com o sotaque e aproveitava
para criar mentalmente os diálogos ingênuos de Macabéa.
"Gauche" e inepta, Macabéa pede desculpas por tudo que faz,
"pede desculpas por ocupar o espaço", escreveu Clarice. Alimenta-se de coca-cola e cachorro
quente, "por que é barato", diz
Marcélia "Macabéa" Cartaxo.
Ainda assim, num espasmo de
auto-piedade, motivada por uma
colega que lhe pergunta se ser feia
dói, procura uma cartomante
(Fernanda Montenegro), que lhe
anuncia um futuro de sonho,
quando se casaria com um gringo, viraria, enfim, uma estrela.
Para os espíritos sensíveis, o filme pode ser angustiante. A cidade não reservou porções de felicidade para Macabéa, apenas instantes raquíticos de alegria. As
saídas para ela são os sonhos, mas
quem sonha muito é atropelado
pelos preconceitos, pela cidade
sem trégua para as hostilidades.
Filme: A Hora da Estrela
Direção: Suzana Amaral
Com: Marcélia Cartaxo e José Dumont
Quando: hoje, às 14h10, no Espaço
Unibanco 4
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