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RECEITAS DO MELLÃO
A cara de todos nós
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
E eis-me aqui, coçando os artolhos, defronte deste marzão
da praia José do Menino. Pardon se não me expresso bem
em brasileiro. "Ni même en
français." Há 68 anos um deus
sacana me encarnou em Guadalupe, uma ilha de bananas.
Já estava ficando uma quando pulei num vapeur atrás de
glória e dinheiro. Acho que me
confundi e, trocando as Américas, vim parar na do Sul, Rio.
Comecei a vida vendendo periquitos aos turistas e garantindo que virariam faladores papagaios. Mas conclui que assim
não faria fortune e caí para São
Paulo. Conheci um francês
abestalhado que tinha um restaurante, adorava meu falar
criolo e pagava para me ver nu.
Tentei aprender a ser garçon,
mas, por inaptidão, acabei na
cuisine. Um dia o babaca
enrustido fugiu do Brasil com a
mulher, contaminada pela febre do tropique -que dá vontade de conhecer biblicamente
qualquer homem.
Consegui meu primeiro restaurant. Na casa, sobramos eu
e Fiódor, o mais bêbado dos
garçons russos. Para comemorar, fizemos uma receita da
mãe dele que entendi chamar-se strogonoff: filé mignon e cebolas puxados na manteiga
com creme azedo e mais um
tempero que ele não estava em
condições de saber qual era.
Coloquei creme de leite, ketchup para cor e champignon
em conserva para sofisticar.
Para acompanhar, arroz branco e batatas fritas. Sucesso. São
Paulo comia na minha mão.
O jantar incluía uma entrée
obrigatória: camarões com
sauce mayonnaise e abacaxi.
Depois, meu strogonoff e um
marron glacé que o povo comeu por 15 anos e não descobriu que era feito com batata
doce. Tudo regado a vinho rosé
gelado. As pessoas pagavam
sorridentes por terem compartilhado do lugar, da comida e
de mim. Superbe!
Em 1967, foi a última vez que
meu nome entrou na lista dos
dez mais elegantes. As notas
sobre o restaurante começaram a rarear no Ibrahim Sued e
no Tavares de Miranda. O dinheiro daquela época evaporou com cavalos lerdos e mulheres rápidas.
Agora, passo meus dias
olhando o mar. Parece que ele
me chama de volta para a Ilha.
Vez ou outra, cruzo com filhos
de antigos fregueses junto com
seus filhos, igualmente falidos.
Fogem de mim como de um lazarento. Acho que trago, tatuada na cara, a mediocridade de
todos nós.
E-mail: mellao@uol.com.br
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