São Paulo, Sexta-feira, 08 de Outubro de 1999
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IMPRENSA

"High Times", 25 anos de maconha nas bancas


Associated Press
O editor-chefe da "High Times", Steve Hager, durante entrevista na redação da publicação


ROGÉRIO ASSIS
especial para a Folha,
em Nova York

A revista "High Times", que defende a legalização da maconha nos EUA, está completando 25 anos de existência neste ano.
O editor-chefe da publicação, Steve Hager, recebeu a Folha para uma entrevista na redação da revista, na Park Avenue South, área nobre de Manhattan. Ele falou da maconha como cultura, atacou a política de tolerância zero do prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, disse que o governo americano controla os cartéis da droga espalhados pela América Latina e que não acha que a maconha deva ser consumida por jovens. A seguir, alguns trechos da entrevista.

Folha - Os EUA gastam bilhões de dólares na guerra contra as drogas. Não parece um contra-senso sua revista defender a liberação de uma delas no país?
Steve Hager -
Eu não vendo maconha, eu vendo revista. A liberdade de imprensa é uma coisa sagrada neste país. Mesmo que a maconha seja ilegal, não é ilegal escrever sobre seus benefícios ou ensinar as pessoas a cultivá-la.

Folha - Mas não é ilegal plantar ou mesmo consumir a droga nos EUA?
Hager -
Existem seis pessoas que têm o direito legal de consumir maconha garantido pelo governo federal, há ainda seis Estados que reconhecem a utilização medicinal da erva. Há uma disputa entre esses Estados e o governo federal sobre o direito de utilizá-la legalmente.

Folha - Quantas pessoas trabalham na revista?
Hager -
Cerca de 20, a maioria no departamento de arte. Reportagens e fotos são feitas quase que totalmente por colaboradores.

Folha - O sr. permite que seus funcionários fumem maconha durante o trabalho?
Hager -
Claro que não. Pode não parecer, mas isso aqui é um local de trabalho não-fumante, aqui não se fuma nada.

Folha - O sr. fuma maconha?
Hager -
Sim, eu fumo, mas não durante o trabalho.

Folha - O sr. tem filhos?
Hager -
Não.

Folha - O sr. acredita que um jovem que veja sua revista numa banca de jornal deve comprá-la? Ele vai encontrar alguma coisa útil nela?
Hager -
De jeito nenhum, minha revista é dirigida ao público adulto. Se eu visse um jovem com ela na mão, iria desencorajá-lo a ler. Também não acho saudável jovens usando armas, dirigindo um carro ou visitando prostitutas. Tem coisas que são para adultos e coisas que são para crianças e jovens. Acho que os jovens devem ficar longe da maconha ou de qualquer outra droga. Mas, se um garoto fuma um baseado ou se envolve com drogas, não acredito que deva ter sua vida arruinada, sendo colocado na cadeia.

"Minha revista é dirigida ao público adulto, se eu visse um jovem com ela na mão, iria desencorajá-lo a ler"

Folha - O sr. fumaria maconha na sala da sua casa na presença de crianças?
Hager -
Você convidaria seus amigos pra beber algumas garrafas de vinho e jogar pôquer com seus filhos brincando ao redor? É a mesma coisa. Tem programas que são para adultos e as crianças não devem participar. Se eu tivesse filhos, não mentiria para eles, mas também não fumaria maconha nem cigarro na frente deles.

Folha - Existe alguma organização lutando para a legalização da maconha nos EUA?
Hager -
Tem a Normal (National Organization for Reform of Marijuana Laws), com base em Washington D.C., para a qual nossa revista dá total apoio.

Folha - O sr. acredita que um dia a maconha será legalizada em todo o mundo, assim como o cigarro e o álcool?
Hager -
Eu acredito que, se a maconha não for legalizada, a vida das pessoas vai continuar sendo controlada. Os países que continuarem usando a droga como desculpa para varrer do mapa culturas com as quais não estão de acordo mais cedo ou mais tarde terão de lidar com o fato de que estão praticando limpeza étnica. Quando a maconha for legalizada, vão surgir empresas com grande potencial de crescimento, com ações na bolsa e tudo o mais.

Folha - Há alguns anos era comum fumar maconha nas ruas de Nova York. Depois da administração do prefeito Giuliani, com sua política de tolerância zero, isso não é mais possível. Isso o afetou de alguma maneira?
Hager -
Sem dúvida. Hoje em dia, se um guarda te pegar fumando um simples baseado, você vai parar na cadeia. Há quem acredite que a cidade está mais segura. Pessoalmente, eu não acho que fumar um baseado no parque torne a cidade mais perigosa.
Giuliani, como a maioria dos políticos que estão no poder em todo o mundo, adota uma política de proteção aos ricos, em vez de melhorar a qualidade de vida dos mais necessitados. A polícia deveria ser mais seletiva com o tipo de crime a combater.

Folha - O sr. mostrou uma fotomontagem do presidente Bill Clinton segurando um baseado na capa de sua revista. Isso lhe causou algum problema?
Hager -
Não.

Folha - O sr. acha que não teve problema por causa da liberdade de imprensa ou porque o presidente nem tomou conhecimento?
Hager -
Tenho certeza de que ele soube. Mas você pode fazer quase tudo o que quiser com uma celebridade.

Folha - O sr. colocaria o prefeito Giuliani fumando um baseado na capa de sua revista?
Hager -
Claro que sim.

Folha - De que forma o sr. acha que ele reagiria?
Hager -
Se ele tentasse tomar alguma medida contra nós por causa da brincadeira, o resto da imprensa sairia em nossa defesa e ganharíamos uma grande publicidade, pois, como já disse, a liberdade de imprensa é sagrada.

Folha - Os assinantes de sua revista recebem seus exemplares em envelopes, por quê?
Hager -
Para evitar que os vizinhos tomem conhecimento e não inventem histórias para a polícia em busca de recompensa. O sistema judiciário americano está baseado no que eu costumo chamar de "testementir", não testemunhar. A Justiça incentiva as pessoas a inventar histórias e assim faturar algum com a recompensa.
Muita gente tem sofrido acusações injustas. Instalou-se a "testementira", em que um inventa algo sobre o vizinho para encobrir suas próprias falhas, e o inocente sempre acaba pagando pelo que não fez. E é nesse sistema que a guerra contra as drogas está baseado.

Folha - O sr. se preocupa em saber como a maconha é vista no resto do mundo. Na América Latina, por exemplo?
Hager -
Nós fizemos uma matéria sobre ayahuasca na Amazônia. Na verdade, nós cobrimos qualquer grande evento sobre maconha. Se no Brasil houver algum festival, voaremos até lá para testar a maconha brasileira e falar sobre ela aos nossos leitores.

Folha - Então o sr. só está preocupado em escrever sobre a qualidade da droga?
Hager -
Não existe maconha ruim, existe maconha fraca. Aí é só fumar dois baseados em vez de um (rindo). Na verdade, a "High Times" é mais do que uma revisita sobre maconha, mas uma revista de contracultura, de cultura hippie. A "High Times" é a única publicação especializada em contracultura. Seus leitores sabem que vão encontrar respaldo para suas crenças e pensamentos.

Folha - O sr. acha que a guerra contra as drogas tem alcançado os resultados esperados pelo governo?
Hager -
Se você acha que espalhar veneno em plantações, matar centenas de pessoas, fazer acordo com chefes de cartel para trazer droga para os EUA e ganhar muito dinheiro com isso são resultados bons, então estão fazendo um trabalho magnífico.

Folha - O sr. acredita mesmo que o governo americano faz acordo com os cartéis?
Hager -
Como alguém pode não acreditar nisso? Como alguém pode ser tão inocente e acreditar que os químicos usados para produzir cocaína, fabricados por empresas americanas e mandados para a América do Sul, não podem ser rastreados pelo governo americano. Como alguém pode acreditar que bancos que aparecem e desaparecem para lavar o dinheiro do narcotráfico não podem ser rastreados? O sistema foi erguido para operar dessa maneira. Isso é um grande negócio, talvez o maior de todos.
As agências de inteligência certamente estão envolvidas nisso. Eles não vão deixar qualquer traficante cuidar de trilhões de dólares. É uma questão de segurança nacional. Você acredita que eles vão deixar dois ou três colombianos controlarem todo esse dinheiro sem se envolverem?
É óbvio que todo o sistema está corrompido, desde os mais altos escalões. Nós temos visto vestígios de cocaína dentro da Casa Branca desde o governo Bush, bem debaixo do nariz dele, dentro de seu escritório. Como acreditar que eles não estão envolvidos.

Folha - A "High Times" fala apenas de maconha, vocês são contra as outras drogas?
Hager -
Eu pessoalmente acho que alguém que consome drogas químicas ou sintéticas está jogando roleta-russa. Quem consome esse tipo de droga provavelmente está colocando seu dinheiro na mão do crime organizado.



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