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LIVRO/LANÇAMENTO
"The Trust" mostra "família" por trás do "The New York Times"
FERNANDO CONCEIÇÃO
especial para a Folha,
em Nova York
Um jantar para
500 convidados
marcou, em 26 de
junho de 1996, o
centenário da
aquisição por
Adolph Simons Ochs do jornal
que, sob sua propriedade, se tornaria o mais influente de todo o
mundo, o "The New York Times".
Uma visão dos bastidores e do
ambiente da festa, realizada no
templo egípcio de Dendur, numa
das alas do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, é o
aperitivo inicial de "The Trust -0
The Private and Powerful Family
Behind "The New York Times'".
O local foi escolhido porque o
Met deve sua existência como tal,
em grande parte, ao "NYT".
Os autores do livro são um casal de jornalistas, Susan Tifft e
Alex Jones, marido e mulher
bem-sucedidos. Ela foi editora-associada da revista "Times"
(que não tem nada a ver com o
jornal) e ele foi repórter no "The
New York Times" por nove anos,
até 1992, quando ganhou um
Prêmio Pulitzer.
O livro, recém-lançado nos
EUA, é fruto de sete anos de pesquisas, durante os quais os autores realizaram 550 entrevistas.
Eles contam o que até agora
ninguém tinha escrito sobre o
"NYT", apesar de o livro marcante de Gay Talese (ex-repórter
da casa), "The Kingdom and the
Power", escrito há mais de uma
década. Tifft e Jones tiveram
"carta branca" e apoio da família
Ochs Sulzberg para a empreitada. Mas trabalharam de forma
independente. O resultado agrada e o livro promete tornar-se
um ponto de referência.
Adolph Simon Ochs comprou
em 1896 o então quase falido
"The New York Daily Times". O
conteúdo do jornal tinha se limitado à ficção barata, nada parecendo com aquilo que fora anos
antes. No mês da compra, dava
prejuízo diário de US$ 1.000, o
que hoje equivale a algo como
US$ 10 mil por dia. Adolph tinha
40 anos e uma experiência anterior como proprietário do "The
Chattanooga Times", um jornal
de uma cidadezinha do Tennessee, de onde veio.
A família Simon Ochs criou,
como demonstra o livro de Tifft e
Jones, a mais duradoura dinastia
à frente de um grande jornal nos
Estados Unidos. Os autores ressaltam que todos os proprietários de jornais que existiam em
1896 passaram adiante o negócio
ou simplesmente tiveram suas
publicações extintas.
"A família" é como os membros do clã se referem a si mesmos. Os Ochs, cuja ascendência é
de judeus da região da Bavária (o
pai de Adolph, Julius, emigrou
para os EUA em 1845), somaram-se aos Sulzberger com o casamento entre a filha de Adolph,
Iphigene Ochs, e Arthur Hays
Sulzberger, em 1917. "Trata-se da
mais poderosa dinastia de sangue do século 20 nas Américas",
escrevem os autores, ressaltando
que os membros da família fazem questão de manter absoluta
privacidade e evitar ostentação.
Mas voltemos ao jantar no
Met. Girando em torno de
Adolph Ochs e de sua obra, New
York Times Company, com valor de mercado estimado em US$
2,6 bilhões, a festa é a grande ocasião para Arthur Ochs "Punch"
Sulzberger, à época com 70 anos
de idade, saborear o legado de
seu pai.
Ele, ao lado de sua nova mulher, com quem casou apenas sete meses depois da morte da segunda, é quem recebe os cumprimentos dos convidados que
chegam.
Desde 1992, ele conseguiu fazer
como seu sucessor no cargo de
publisher seu filho de 40 anos,
Arthur O. Sulzberg Jr.
Tiff e Jones revelam que a lista
de convidados foi extremamente
seletiva.
Arthur fez questão de deixar de
fora os parentes menos alinhados com sua batuta e outros executivos da companhia, aos quais
ele se refere como membros "periféricos" da família. Mesmo o
presidente da New York Times
Company, Lance Primis, um
profissional contratado que andou fazendo críticas ao fato de a
"família" influenciar no dia-a-dia dos negócios, não estava presente: providencialmente partiu
na véspera para Paris, sob a alegação de que iria se reunir com o
bureau do "International Herald
Tribune", jornal fruto da sociedade do "Times" com o "Washington Post".
O momento mais embaraçoso
da festa é quando chega Cynthia
Sulzberg, 32, a única filha que Arthur "Punch" teve com sua segunda mulher, Carol Fuhrman,
que morreu de câncer. "Era como se o fantasma de Carol estivesse reencarnado", escrevem
Tifft e Jones, afirmando que
Cynthia fez questão de comparecer num vestido que foi de sua
mãe e usar o mesmo penteado,
como para provocar a nova cara-metade do pai.
Os autores, analisando as presenças e ausências ao jantar, dizem: "A composição da lista de
convidados para a festa do centenário do "NYT" revelou uma
cruel verdade: os descendentes
de Adolph por meio de sua filha,
Iphigene, tinham-se tornado a
família do "The New York Times", enquanto os outros ramos
da família tinham sido lenta, mas
inexoravelmente, cortados fora".
Obviamente, um livro de 900
páginas tem muito mais do que
esses aperitivos da introdução.
Pelo menos um terço dele conta
os novos desafios trazidos pela
Internet e a era da informática
para essa quarta geração dos
Ochs à frente da companhia -e
especula sobre o futuro.
Ao narrarem a saga da dinastia
dos Ochs Sulzberg, Alex Jones e
Susan Tifft apresentam um quadro detalhado da história do jornalismo neste século, como empreendimento e como sonho
possível de realização. O que há
de essencial é o fato de, na linha
de frente da história, estar o jornal-modelo para o jornalismo
praticado em todo o mundo nos
últimos cem anos.
Fernando Conceição, doutorando na Escola de Comunicações e Artes da USP, é visiting scholar na New York University
Livro: The Trust - The Private and
Powerful Family Behind "The New York
Times"
Autores: Susan Tifft e Alex Jones
Editora: Little, Brown
Quanto: US$ 29, em média (900 págs.)
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