São Paulo, Sexta-feira, 08 de Outubro de 1999
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LIVRO/LANÇAMENTO

"The Trust" mostra "família" por trás do "The New York Times"


FERNANDO CONCEIÇÃO
especial para a Folha,
em Nova York


Um jantar para 500 convidados marcou, em 26 de junho de 1996, o centenário da aquisição por Adolph Simons Ochs do jornal que, sob sua propriedade, se tornaria o mais influente de todo o mundo, o "The New York Times".
Uma visão dos bastidores e do ambiente da festa, realizada no templo egípcio de Dendur, numa das alas do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, é o aperitivo inicial de "The Trust -0 The Private and Powerful Family Behind "The New York Times'". O local foi escolhido porque o Met deve sua existência como tal, em grande parte, ao "NYT".
Os autores do livro são um casal de jornalistas, Susan Tifft e Alex Jones, marido e mulher bem-sucedidos. Ela foi editora-associada da revista "Times" (que não tem nada a ver com o jornal) e ele foi repórter no "The New York Times" por nove anos, até 1992, quando ganhou um Prêmio Pulitzer.
O livro, recém-lançado nos EUA, é fruto de sete anos de pesquisas, durante os quais os autores realizaram 550 entrevistas.
Eles contam o que até agora ninguém tinha escrito sobre o "NYT", apesar de o livro marcante de Gay Talese (ex-repórter da casa), "The Kingdom and the Power", escrito há mais de uma década. Tifft e Jones tiveram "carta branca" e apoio da família Ochs Sulzberg para a empreitada. Mas trabalharam de forma independente. O resultado agrada e o livro promete tornar-se um ponto de referência.
Adolph Simon Ochs comprou em 1896 o então quase falido "The New York Daily Times". O conteúdo do jornal tinha se limitado à ficção barata, nada parecendo com aquilo que fora anos antes. No mês da compra, dava prejuízo diário de US$ 1.000, o que hoje equivale a algo como US$ 10 mil por dia. Adolph tinha 40 anos e uma experiência anterior como proprietário do "The Chattanooga Times", um jornal de uma cidadezinha do Tennessee, de onde veio.
A família Simon Ochs criou, como demonstra o livro de Tifft e Jones, a mais duradoura dinastia à frente de um grande jornal nos Estados Unidos. Os autores ressaltam que todos os proprietários de jornais que existiam em 1896 passaram adiante o negócio ou simplesmente tiveram suas publicações extintas.
"A família" é como os membros do clã se referem a si mesmos. Os Ochs, cuja ascendência é de judeus da região da Bavária (o pai de Adolph, Julius, emigrou para os EUA em 1845), somaram-se aos Sulzberger com o casamento entre a filha de Adolph, Iphigene Ochs, e Arthur Hays Sulzberger, em 1917. "Trata-se da mais poderosa dinastia de sangue do século 20 nas Américas", escrevem os autores, ressaltando que os membros da família fazem questão de manter absoluta privacidade e evitar ostentação.
Mas voltemos ao jantar no Met. Girando em torno de Adolph Ochs e de sua obra, New York Times Company, com valor de mercado estimado em US$ 2,6 bilhões, a festa é a grande ocasião para Arthur Ochs "Punch" Sulzberger, à época com 70 anos de idade, saborear o legado de seu pai.
Ele, ao lado de sua nova mulher, com quem casou apenas sete meses depois da morte da segunda, é quem recebe os cumprimentos dos convidados que chegam.
Desde 1992, ele conseguiu fazer como seu sucessor no cargo de publisher seu filho de 40 anos, Arthur O. Sulzberg Jr.
Tiff e Jones revelam que a lista de convidados foi extremamente seletiva.
Arthur fez questão de deixar de fora os parentes menos alinhados com sua batuta e outros executivos da companhia, aos quais ele se refere como membros "periféricos" da família. Mesmo o presidente da New York Times Company, Lance Primis, um profissional contratado que andou fazendo críticas ao fato de a "família" influenciar no dia-a-dia dos negócios, não estava presente: providencialmente partiu na véspera para Paris, sob a alegação de que iria se reunir com o bureau do "International Herald Tribune", jornal fruto da sociedade do "Times" com o "Washington Post".
O momento mais embaraçoso da festa é quando chega Cynthia Sulzberg, 32, a única filha que Arthur "Punch" teve com sua segunda mulher, Carol Fuhrman, que morreu de câncer. "Era como se o fantasma de Carol estivesse reencarnado", escrevem Tifft e Jones, afirmando que Cynthia fez questão de comparecer num vestido que foi de sua mãe e usar o mesmo penteado, como para provocar a nova cara-metade do pai.
Os autores, analisando as presenças e ausências ao jantar, dizem: "A composição da lista de convidados para a festa do centenário do "NYT" revelou uma cruel verdade: os descendentes de Adolph por meio de sua filha, Iphigene, tinham-se tornado a família do "The New York Times", enquanto os outros ramos da família tinham sido lenta, mas inexoravelmente, cortados fora".
Obviamente, um livro de 900 páginas tem muito mais do que esses aperitivos da introdução. Pelo menos um terço dele conta os novos desafios trazidos pela Internet e a era da informática para essa quarta geração dos Ochs à frente da companhia -e especula sobre o futuro.
Ao narrarem a saga da dinastia dos Ochs Sulzberg, Alex Jones e Susan Tifft apresentam um quadro detalhado da história do jornalismo neste século, como empreendimento e como sonho possível de realização. O que há de essencial é o fato de, na linha de frente da história, estar o jornal-modelo para o jornalismo praticado em todo o mundo nos últimos cem anos.


Fernando Conceição, doutorando na Escola de Comunicações e Artes da USP, é visiting scholar na New York University



Livro: The Trust - The Private and Powerful Family Behind "The New York Times"
Autores: Susan Tifft e Alex Jones
Editora: Little, Brown
Quanto: US$ 29, em média (900 págs.)



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