São Paulo, Sexta-feira, 08 de Outubro de 1999
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"QUE MISTÉRIOS TEM CLARICE?"

Clarice Lispector tem outra face revelada

da Reportagem Local

Não é a Clarice Lispector que se costumou ler e ver, inclusive no palco, em peças anteriores centradas na escritora -como na mais recente, quase um recital, em que era respeitosamente interpretada, ou ainda, declamada, por Aracy Balabanian.
"Que Mistérios Tem Clarice?" apresenta uma Clarice Lispector que se diz orgulhosamente brasileira. Que nasceu na Ucrânia por acaso, de passagem, e que é, acima de tudo, carioca.
Como tal, é de seu cotidiano no Rio de Janeiro que fala -é seu cotidiano que ela descreve, em detalhes sempre ricos na narração, no cenário e, principalmente, nas divagações.
É o que acontece, por exemplo, no episódio do táxi que ela pegou num dia de tempestade sobre o Rio. A luta para conseguir o táxi, o horror comezinho de ter que dividir o mesmo com uma passageira indesejada, a pequena e algo farsesca disputa pelo poder no banco traseiro do carro.
É um esquete de comédia, quase besteirol, até onde isso é possível a partir de qualquer texto de Clarice Lispector -embora ela mesma ameace questionar, a certa altura, que seja autora de leitura restrita, como querem tantos e como ela mesma, relutantemente, concorda.
Mais significativo é como a autora/personagem se estende longamente sobre um tema inesperado: empregadas domésticas. Relata a sua experiência com empregadas, descreve as personalidades, as reações, num tom que, de início, lembra a velha aristocracia carioca, de meio século atrás, mas depois encontra até certa identificação com empregadas.
Certamente o mais curioso em tão inusitada Clarice Lispector, que chega ao extremo de esforçar-se para escrever como Nelson Rodrigues, é a atuação de Rita Elmôr, atriz jovem que merece o louvor que vem recebendo, no papel da escritora.
Melhor é dizer caracterização, em vez de atuação: é assombrosa a semelhança física, dos gestos, das pausas, da entonação, da sinuosa sensualidade.
E isso tudo ampliado ainda por maquiagem, figurinos, pelo cigarro. É tal interpretação carregada de detalhes de Rita Elmôr que dá vazão em cena, em grande parte, à complexidade de Clarice Lispector.
Complexidade que aqui surge em contraste com esta mais cômica de todas as faces já apresentadas da escritora, no achado da adaptação e encenação do diretor Luiz Arthur Nunes. O que ele fez foi encontrar, entre os "mistérios" de Clarice Lispector, o teatro. Sublinhou um conflito dos próprios escritos dela, o conflito que a levou a tentar escrever como Nelson Rodrigues, para afinal desistir e retornar à subjetividade.
Para viver tal conflito, outro achado: Rita Elmôr. (NS)


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Peça: Que Mistérios Tem Clarice?
Textos: Clarice Lispector, em adaptação de Luiz Arthur Nunes e Mário Piragibe
Direção: Luiz Arthur Nunes
Elenco: Rita Elmôr
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 20h
Onde: N.Ex.T - Núcleo Experimental de Teatro (r. Rego Freitas, 454, tel. 0/xx/11/ 259-2485)
Quanto: R$ 20


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