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"QUE MISTÉRIOS TEM CLARICE?"
Clarice Lispector tem outra face revelada
da Reportagem Local
Não é a Clarice Lispector que se
costumou ler e ver, inclusive no
palco, em peças anteriores centradas na escritora -como na mais
recente, quase um recital, em que
era respeitosamente interpretada,
ou ainda, declamada, por Aracy
Balabanian.
"Que Mistérios Tem Clarice?"
apresenta uma Clarice Lispector
que se diz orgulhosamente brasileira. Que nasceu na Ucrânia por
acaso, de passagem, e que é, acima de tudo, carioca.
Como tal, é de seu cotidiano no
Rio de Janeiro que fala -é seu cotidiano que ela descreve, em detalhes sempre ricos na narração, no
cenário e, principalmente, nas divagações.
É o que acontece, por exemplo,
no episódio do táxi que ela pegou
num dia de tempestade sobre o
Rio. A luta para conseguir o táxi, o
horror comezinho de ter que dividir o mesmo com uma passageira
indesejada, a pequena e algo farsesca disputa pelo poder no banco traseiro do carro.
É um esquete de comédia, quase
besteirol, até onde isso é possível a
partir de qualquer texto de Clarice
Lispector -embora ela mesma
ameace questionar, a certa altura,
que seja autora de leitura restrita,
como querem tantos e como ela
mesma, relutantemente, concorda.
Mais significativo é como a autora/personagem se estende longamente sobre um tema inesperado: empregadas domésticas.
Relata a sua experiência com empregadas, descreve as personalidades, as reações, num tom que,
de início, lembra a velha aristocracia carioca, de meio século
atrás, mas depois encontra até
certa identificação com empregadas.
Certamente o mais curioso em
tão inusitada Clarice Lispector,
que chega ao extremo de esforçar-se para escrever como Nelson Rodrigues, é a atuação de Rita Elmôr, atriz jovem que merece o
louvor que vem recebendo, no
papel da escritora.
Melhor é dizer caracterização,
em vez de atuação: é assombrosa
a semelhança física, dos gestos,
das pausas, da entonação, da sinuosa sensualidade.
E isso tudo ampliado ainda por
maquiagem, figurinos, pelo cigarro. É tal interpretação carregada
de detalhes de Rita Elmôr que dá
vazão em cena, em grande parte, à
complexidade de Clarice Lispector.
Complexidade que aqui surge
em contraste com esta mais cômica de todas as faces já apresentadas da escritora, no achado da
adaptação e encenação do diretor
Luiz Arthur Nunes. O que ele fez
foi encontrar, entre os "mistérios"
de Clarice Lispector, o teatro. Sublinhou um conflito dos próprios
escritos dela, o conflito que a levou a tentar escrever como Nelson Rodrigues, para afinal desistir
e retornar à subjetividade.
Para viver tal conflito, outro
achado: Rita Elmôr.
(NS)
Avaliação:
Peça: Que Mistérios Tem Clarice?
Textos: Clarice Lispector, em adaptação
de Luiz Arthur Nunes e Mário Piragibe
Direção: Luiz Arthur Nunes
Elenco: Rita Elmôr
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às
20h
Onde: N.Ex.T - Núcleo Experimental de
Teatro (r. Rego Freitas, 454, tel. 0/xx/11/
259-2485)
Quanto: R$ 20
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