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Crítica/teatro/"Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!"
Oficina reinventa mito de Cacilda
Espetáculo inspirado em biografia de atriz tem narrativa que parece confusa a espectadores menos abertos a divagações
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Poetas dramáticos inventam mitos a partir
de histórias reais. "Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!", de José Celso Martinez
Corrêa, é uma invenção gerada
a partir da vida e obra de Cacilda Becker (1921-1969), que
transforma sua trajetória em
mito de origem do teatro brasileiro contemporâneo.
Como nas artes cênicas sempre importa mais fazer-se crível do que a autenticidades dos
juízos, o espetáculo pode deslumbrar aqueles dispostos a
navegar na imaginação fértil do
autor ou parecer confuso e maçante aos espectadores menos
abertos a divagações.
O texto encenado faz parte
de uma tetralogia escrita no
início dos anos 90. A primeira e
a última parte já tinham sido
parcialmente apresentadas na
montagem de 1998, em que
principalmente se sintetizavam, no texto escrito para um
concurso de dramaturgia, os
períodos da infância e adolescência e os anos finais, antes da
morte prematura.
A atual montagem cobre os
anos de formação, quando
ocorrem as experiências iniciais com o teatro, a partir de
1941. Revela-se, por exemplo,
que Cacilda Becker foi o elo entre grandes artistas populares,
como Dulcina de Moraes e Procópio Ferreira, e a geração seguinte, do teatro-arte, que os
destronou.
Narrativa de sonho
A forma engenhosa como se
enredam os fatos da vida da
atriz e as tramas das peças em
que ela trabalhou é o aspecto
mais extraordinário dessa dramaturgia.
Num fluxo constante, que se
assemelha a um sonho, várias
Cacildas associadas às diversas
personagens que ela encarnou
vão aparecendo e se transformando umas nas outras, ora
singulares, na pele da atriz protagonista, ora coletivas, desdobradas em coros de três ou quatro personagens simultâneas.
Em contrapartida, é difícil
discriminar no espetáculo, em
meio a essa mutação constante
de figuras, de que "Cacilda" a
cada vez se trata.
Apesar da contextualização
cenográfica e de figurino que
acompanha as cenas, a riqueza
dessas camadas de significação
desaparece. Some-se que as falas versificadas expressam,
muitas vezes, achados líricos
do dramaturgo encenador, menos ligados à fábula, e torna-se
provável o alheamento do espectador da trama em curso.
Uma alternativa é não acompanhar o texto e liberar a atenção aos aspectos plásticos e audiovisuais, táteis, cinematográficos ou musicais.
Contudo, é a própria encenação que se mostra prisioneira
do texto. Embora alguns trechos do original tenham sido
cortados, muitos versos herméticos e gratuitos foram
mantidos, alguns que os atores
enunciam deixando a impressão de não saberem por que estão a dizê-los.
Daí haver um lado conservador em "Cacilda!!", por trás do
discurso libertário com que se
apresenta. Fidelíssimo ao seu
próprio texto e contando com a
solidariedade de coros entregues ao projeto, o autor age como um "ponto" do teatro antigo, impondo-se sobre eles como um ventríloquo.
Verdade que as energias corporais, os entusiasmos e a formidável soma de talentos que
operam em um espetáculo do
Oficina minimizam esse aspecto sombrio.
A encenação de José Celso
reitera sua contribuição genuína ao teatro mundial: transmutar uma produção imaginária
em dramaturgia e materializá-las em espetáculos absolutamente pessoais e intransferíveis. É um inventor de mitos
bem particular.
ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR - CACILDA!!
Quando: sáb. e dom., às 18h; até 22/11
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520,
tel. 0/xx/11/3104-0678)
Quanto: R$ 40
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom
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