São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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Crítica/teatro/"Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!"

Oficina reinventa mito de Cacilda

Espetáculo inspirado em biografia de atriz tem narrativa que parece confusa a espectadores menos abertos a divagações

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Poetas dramáticos inventam mitos a partir de histórias reais. "Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!", de José Celso Martinez Corrêa, é uma invenção gerada a partir da vida e obra de Cacilda Becker (1921-1969), que transforma sua trajetória em mito de origem do teatro brasileiro contemporâneo.
Como nas artes cênicas sempre importa mais fazer-se crível do que a autenticidades dos juízos, o espetáculo pode deslumbrar aqueles dispostos a navegar na imaginação fértil do autor ou parecer confuso e maçante aos espectadores menos abertos a divagações.
O texto encenado faz parte de uma tetralogia escrita no início dos anos 90. A primeira e a última parte já tinham sido parcialmente apresentadas na montagem de 1998, em que principalmente se sintetizavam, no texto escrito para um concurso de dramaturgia, os períodos da infância e adolescência e os anos finais, antes da morte prematura.
A atual montagem cobre os anos de formação, quando ocorrem as experiências iniciais com o teatro, a partir de 1941. Revela-se, por exemplo, que Cacilda Becker foi o elo entre grandes artistas populares, como Dulcina de Moraes e Procópio Ferreira, e a geração seguinte, do teatro-arte, que os destronou.

Narrativa de sonho
A forma engenhosa como se enredam os fatos da vida da atriz e as tramas das peças em que ela trabalhou é o aspecto mais extraordinário dessa dramaturgia.
Num fluxo constante, que se assemelha a um sonho, várias Cacildas associadas às diversas personagens que ela encarnou vão aparecendo e se transformando umas nas outras, ora singulares, na pele da atriz protagonista, ora coletivas, desdobradas em coros de três ou quatro personagens simultâneas.
Em contrapartida, é difícil discriminar no espetáculo, em meio a essa mutação constante de figuras, de que "Cacilda" a cada vez se trata.
Apesar da contextualização cenográfica e de figurino que acompanha as cenas, a riqueza dessas camadas de significação desaparece. Some-se que as falas versificadas expressam, muitas vezes, achados líricos do dramaturgo encenador, menos ligados à fábula, e torna-se provável o alheamento do espectador da trama em curso.
Uma alternativa é não acompanhar o texto e liberar a atenção aos aspectos plásticos e audiovisuais, táteis, cinematográficos ou musicais.
Contudo, é a própria encenação que se mostra prisioneira do texto. Embora alguns trechos do original tenham sido cortados, muitos versos herméticos e gratuitos foram mantidos, alguns que os atores enunciam deixando a impressão de não saberem por que estão a dizê-los.
Daí haver um lado conservador em "Cacilda!!", por trás do discurso libertário com que se apresenta. Fidelíssimo ao seu próprio texto e contando com a solidariedade de coros entregues ao projeto, o autor age como um "ponto" do teatro antigo, impondo-se sobre eles como um ventríloquo.
Verdade que as energias corporais, os entusiasmos e a formidável soma de talentos que operam em um espetáculo do Oficina minimizam esse aspecto sombrio.
A encenação de José Celso reitera sua contribuição genuína ao teatro mundial: transmutar uma produção imaginária em dramaturgia e materializá-las em espetáculos absolutamente pessoais e intransferíveis. É um inventor de mitos bem particular.


ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR - CACILDA!!

Quando: sáb. e dom., às 18h; até 22/11
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 0/xx/11/3104-0678)
Quanto: R$ 40
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom




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