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CINEMA/ESTRÉIA
"ALI"
Will Smith vive o boxeador Muhammad Ali no longa de Michael Mann
Filme não faz mais que um amplo painel de uma vida
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Talvez o maior problema de
"Ali", cinebiografia ficcional
do boxeador norte-americano
Muhammad Ali, seja um outro
filme, o documentário "Quando
Éramos Reis", de Leon Gast, de
1996.
É dificílimo imitar ou reproduzir a personalidade desse atleta
que transcendeu sua condição de
ídolo do esporte para se tornar
um ídolo pop, político e, mais que
tudo isso, um mito. No documentário, essa personalidade aparece
cristalina, com toda sua força. Na
ficção, está muito longe disso.
O fenômeno Muhammad Ali se
forjou no fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, na efervescência do movimento dos direitos
civis dos negros americanos. Ele
começou a carreira como Cassius
Clay, mas abandonou o "nome de
escravo" depois de se converter
ao islamismo, quando adotou o
nome que o tornou mais célebre.
"Quando Éramos Reis" concentra-se num episódio específico de
sua trajetória, uma luta organizada por Don King e realizada no
Zaire, contra George Foreman.
Foi uma luta histórica não apenas
por sua dimensão política, mas
também pela própria luta em si
(um embate de gigantes, pois Foreman era o campeão dos pesos-pesados na época e Ali estava por
baixo), e por inaugurar uma nova
era no marketing esportivo, consolidando o nome de Don King.
Imitação
Mas, ainda que concentrado
nesse episódio, o documentário
esclarece perfeitamente a grande
importância de Ali ao mostrar,
com muitas imagens de arquivo, a
forma como ele atuava e se impunha, sempre genial, exuberante,
tanto verbalmente (com um discurso rápido no gatilho), como fisicamente.
Ali era pura atitude. Pois bem:
Will Smith, que não chega a ser
mau ator, está anos-luz de distância de conseguir passar um décimo dessa atitude com alguma
verdade.
Smith se esforça, e muito. Ele
busca reproduzir a mesma agilidade de fala, a atitude corporal
que misturava dignidade e arrogância, o tom sempre provocativo
do discurso de Ali. Mas tudo isso é
insuficiente e, na tela, só aparece
um esforço de imitação, não uma
transformação.
Talvez porque a direção de Michael Mann (de "Fogo contra Fogo" e "O Informante") não tenha
contribuído para dar um caminho mais preciso ao filme, um caminho que não fosse apenas esse
amplo painel de uma vida.
Da forma como se apresenta na
tela, o roteiro é confuso. Não deixa claro, por exemplo, como começou a amizade entre Ali e o líder Malcom X.
Da mesma forma, vários outros
personagens entram e saem de cena sem muita explicação como se
elas precisassem estar ali por motivos quase contratuais, e não dramáticos.
Michael Mann é um diretor
clássico porém vigoroso, e "O Informante" talvez seja o melhor
exemplo de suas qualidades como
cineasta.
Mas, em "Ali", ele não consegue
alcançar a mesma dramaticidade,
talvez porque o embate entre um
personagem idealista e seu inimigo (que, basicamente, é a forma
reduzida dos filmes "O Informante" e "Fogo contra Fogo", policial
que juntou Al Pacino e Robert de
Niro) não seja tão simples e clara
na trajetória de Ali, infinitamente
mais complexa que uma boa história de mocinho e bandido.
Ali
Direção: Michael Mann
Produção: EUA, 2001
Com: Will Smith, Jon Voight
Quando: a partir de hoje no Anália
Franco, Interlar Aricanduva, Lapa e
shopping ABC
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