São Paulo, sexta-feira, 08 de novembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"ALI"

Will Smith vive o boxeador Muhammad Ali no longa de Michael Mann

Filme não faz mais que um amplo painel de uma vida

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Talvez o maior problema de "Ali", cinebiografia ficcional do boxeador norte-americano Muhammad Ali, seja um outro filme, o documentário "Quando Éramos Reis", de Leon Gast, de 1996.
É dificílimo imitar ou reproduzir a personalidade desse atleta que transcendeu sua condição de ídolo do esporte para se tornar um ídolo pop, político e, mais que tudo isso, um mito. No documentário, essa personalidade aparece cristalina, com toda sua força. Na ficção, está muito longe disso.
O fenômeno Muhammad Ali se forjou no fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, na efervescência do movimento dos direitos civis dos negros americanos. Ele começou a carreira como Cassius Clay, mas abandonou o "nome de escravo" depois de se converter ao islamismo, quando adotou o nome que o tornou mais célebre.
"Quando Éramos Reis" concentra-se num episódio específico de sua trajetória, uma luta organizada por Don King e realizada no Zaire, contra George Foreman. Foi uma luta histórica não apenas por sua dimensão política, mas também pela própria luta em si (um embate de gigantes, pois Foreman era o campeão dos pesos-pesados na época e Ali estava por baixo), e por inaugurar uma nova era no marketing esportivo, consolidando o nome de Don King.

Imitação
Mas, ainda que concentrado nesse episódio, o documentário esclarece perfeitamente a grande importância de Ali ao mostrar, com muitas imagens de arquivo, a forma como ele atuava e se impunha, sempre genial, exuberante, tanto verbalmente (com um discurso rápido no gatilho), como fisicamente.
Ali era pura atitude. Pois bem: Will Smith, que não chega a ser mau ator, está anos-luz de distância de conseguir passar um décimo dessa atitude com alguma verdade.
Smith se esforça, e muito. Ele busca reproduzir a mesma agilidade de fala, a atitude corporal que misturava dignidade e arrogância, o tom sempre provocativo do discurso de Ali. Mas tudo isso é insuficiente e, na tela, só aparece um esforço de imitação, não uma transformação.
Talvez porque a direção de Michael Mann (de "Fogo contra Fogo" e "O Informante") não tenha contribuído para dar um caminho mais preciso ao filme, um caminho que não fosse apenas esse amplo painel de uma vida.
Da forma como se apresenta na tela, o roteiro é confuso. Não deixa claro, por exemplo, como começou a amizade entre Ali e o líder Malcom X.
Da mesma forma, vários outros personagens entram e saem de cena sem muita explicação como se elas precisassem estar ali por motivos quase contratuais, e não dramáticos.
Michael Mann é um diretor clássico porém vigoroso, e "O Informante" talvez seja o melhor exemplo de suas qualidades como cineasta.
Mas, em "Ali", ele não consegue alcançar a mesma dramaticidade, talvez porque o embate entre um personagem idealista e seu inimigo (que, basicamente, é a forma reduzida dos filmes "O Informante" e "Fogo contra Fogo", policial que juntou Al Pacino e Robert de Niro) não seja tão simples e clara na trajetória de Ali, infinitamente mais complexa que uma boa história de mocinho e bandido.

Ali


  
Direção: Michael Mann
Produção: EUA, 2001
Com: Will Smith, Jon Voight
Quando: a partir de hoje no Anália Franco, Interlar Aricanduva, Lapa e shopping ABC




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