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"LARA"
Diretora recorre a flashback em cinebiografia
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"Um clarão e uma retrospectiva muito rápida de
toda a minha vida": essa sensação,
que a diretora Ana Maria Magalhães diz ter sentido logo após um
acidente que quase a vitimou, se
tornou em "Lara", projeto que
concebeu enquanto se recuperava
do trauma, um recurso narrativo.
É como um flashback decorrido
da inconsciência da protagonista
após um acidente de carro que assistimos à retrospectiva da vida da
atriz Odete Lara nesse filme-biografia. O artifício talvez consolidasse uma estrutura narrativa se
as imagens da vida de Odete que
surgem a partir de então fossem
tomadas mais descontinuamente.
O que passamos a testemunhar
são dois momentos intercalados,
mas vistos em continuidade, da
vida da atriz: os primeiros tempos
(do suicídio da mãe na infância ao
suicídio do pai na adolescência) e
a "idade da razão", em que a crise
pessoal e afetiva da personagem
adulta se sobrepõe à crise político-institucional do país, em seus
"anos de chumbo".
A história da jovem Lara é a de
uma moça marcada pela tragédia
(vivida por Maria Manoella) que
encontrou na própria beleza a sua
única chance de emancipação. A
história da Lara adulta, musa da
geração dos anos 60, é de uma
mulher (interpretada por Christine Fernandes) cuja emancipação
não garantiu a paz de espírito.
A continuidade narrativa delineada pelos flashbacks esboça
uma progressão psicológica da
personagem e empresta aos eventos da vida de Odete Lara um sentido (uma direção, um fim) único:
o momento catártico em que os
traumas de infância que ainda
conturbam a vida adulta são superados, momento de revelação
que dá início à fase mística de
"Meus Passos na Busca da Paz",
único livro da trilogia autobiográfica da atriz não abordado.
A cineasta que, no material de
divulgação do filme, critica, com
toda a razão, a influência exercida
pela escola americana sobre os roteiristas brasileiros, não se distancia muito, na prática, da concepção finalista dessa escola clássica.
Muitas cenas, especialmente as da
juventude da personagem, acabam reduzidas à sua funcionalidade narrativa, à sua função de
passagem. O que não parece resultar tanto do rigor narrativo de
Magalhães quanto de sua dificuldade para chegar ao cerne dramático dos eventos representados,
de extrair-lhes o potencial conflito. Difícil imaginar como Odete
Lara, que se converteu ao budismo e vive hoje um exílio voluntário num sítio do Rio, possa se
identificar de fato com alguma
dessas imagens.
Lara
Direção: Ana Maria Magalhães
Produção: Brasil, 2001
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Cineclube DirecTV, Frei
Caneca Unibanco Arteplex e circuito
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