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MARCELO COELHO
Proibição das drogas é obra de drogados
Leio na revista "Veja" desta semana que o tráfico de cocaína é a
atividade mais lucrativa do mundo: "Nenhum outro negócio, lícito
ou ilícito, dá uma taxa de retorno
de até 10.000%", diz a reportagem
de Alexandre Secco.
Será que, com esse cálculo simples, já não está tudo explicado? A
mim, pelo menos, fica evidente
que, quanto mais se tenta reprimir o tráfico, mais lucrativo ele se
torna; e nenhuma repressão inibe
o interesse dos audaciosos pelo lucro ou dos dependentes pela cocaína.
Um amigo italiano, médico que
veio para o Brasil na década de
50, conta suas experiências de
moço rico, em Gênova, durante a
guerra. Naquela época, reprimia-se o mercado negro com a pura e
simples pena de morte. "Pois
bem", disse-me ironicamente o
velho italiano, "não houve dia,
em minha casa, em que faltasse
manteiga." Artigo que chegava à
sua casa pelo câmbio negro, punido com a morte.
De resto, por que não proíbem a
manteiga? Deve haver alguma estatística responsabilizando o colesterol por muito mais mortes do
que a cocaína.
O problema não é, claramente,
de "saúde pública". O álcool e o cigarro são drogas legalizadas. O
que a cocaína ou a maconha têm
de mais perigoso?
Talvez representem, apenas,
uma "reserva de mercado" para
policiais, investigadores, juízes ou
militares, a quem o poder corruptor do tráfico é capaz de oferecer
vantagens.
Não vejo saída mais sensata do
que a de liberar o consumo de
drogas. O paralelo com a Lei Seca
é muito banal, mas não tenho argumentos em contrário. Proibindo-se o álcool, criam-se corrupção
e organizações mafiosas. O mesmo ocorre com a cocaína.
Será que a cocaína é pior que o
álcool? Para o motorista, por
exemplo? Não sei. Será que a maconha é pior que o cigarro? Sei de
muita gente que morre devido ao
tabagismo; desconheço os mortos
da maconha.
O argumento acima, contudo, é
capcioso. Pode conduzir tanto à
conclusão de que devemos proibir
tudo -do cigarro ao crack-
quanto à idéia de que devemos liberar tudo -da maconha ao
LSD. Criticar as incoerências da
lei pode levar igualmente a um rigorismo total ou a um liberalismo
completo.
Na dúvida, opto por um liberalismo completo. Meu primeiro argumento é o de que nunca irão
proibir novamente as bebidas alcoólicas; logo, rigores nesse assunto parecem descartáveis.
Meu segundo argumento é o de
que tudo, na verdade, é capaz de
viciar. Quantas mortes não se devem ao consumo excessivo de
açúcar, por exemplo? Seria o caso
de proibir o açúcar?
De minha parte, experimentei
cocaína umas quatro ou cinco vezes. Essa droga não corresponde
ao que se espera de uma droga:
ausência do mundo, inconsciência, falta de culpa, fantasia. Teve
em mim o efeito de acelerar o
tempo: eu piscava os olhos, e duas
horas tinham passado. Seu poder
excitante acarretava uma contrapartida muito incômoda: uma espécie de mal-estar nas pernas, do
gênero que se sente em viagens demoradas de avião. Os músculos
não relaxam, senti um contrapelo
na carne, uma aflição ácida nos
nervos.
É possível que a cocaína exerça,
sobre outros organismos, efeitos
de que nem desconfio. Tenho certeza, entretanto, do seguinte fenômeno: a adição, o vício, a dependência que uma droga produz
não depende de algum segredo
químico que exista dentro dela. O
dependente de uma droga (não
sei no caso do crack) está doente
de outra coisa, está doente de si
mesmo, não da substância que
consome.
O que não consigo entender é o
medo com relação aos poderes da
cocaína e da maconha, se comparado à grande tolerância que se
tem diante do álcool e do cigarro.
A cocaína pode dar um incremento de competitividade ao jovem
executivo; a maconha talvez confira equilíbrio e bonomia ao vestibulando com espinhas, diminuindo o horror que temos à sua agressividade natural, que invejamos,
feita de testosterona pura.
O que existe, no horror a drogas
como cocaína e maconha e na tolerância frente ao álcool e ao cigarro, é talvez uma rivalidade geracional; a desconfiança mítica de
que com determinados produtos
químicos os jovens tenham acesso
a prazeres que desconhecemos.
Ridículas as iniciativas que
apostam, contra as drogas, no "esclarecimento" da juventude. Esse
suposto "esclarecimento" não é
resposta ao problema real, que é o
de legalizar ou não. Legais, o álcool e o cigarro são objeto de campanhas muito eficazes a respeito
de seus malefícios. Cocaína e maconha não precisam ser proibidas
para que se "esclareça" o usuário.
Não; a proibição não faz sentido. É irracional. Deve ter sido
obra de drogados.
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