São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

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Crítica/jazz/"The Impulse Story"

Pode não agradar a todos, mas série Impulse tem valor histórico

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Numa época em que as gravadoras reduzem os lançamentos de jazz a vocalistas conservadores, uma série com músicos de vanguarda é uma ótima surpresa.
Ainda mais com gravações do selo Impulse, responsável por muito do que se produziu de mais inventivo no gênero durante os anos 60 e 70.
A série "The Impulse Story" é um desdobramento do livro "The House that Trane Built" ("A casa que Trane construiu"), recém-lançado nos Estados Unidos. Nele, o jornalista Ashley Khan revive a história do selo que se mistura com a ascensão do saxofonista John Coltrane (1926-1967), ídolo maior do jazz de vanguarda.
Criado pelo produtor Creed Taylor, em 1960, o Impulse era subordinado à poderosa gravadora ABC-Paramount. Mesmo assim, tinha liberdade para atuar como um selo independente, incentivando jazzistas experimentais.

Figurões
Os dez CDs da série compilam as obras de figurões do elenco do Impulse. As capas seguem o padrão gráfico que diferenciava os álbuns do selo nas lojas: grandes fotos e lombadas em preto e laranja. Responsável pela seleção das gravações, Khan também escreveu saborosos perfis para os encartes.
Organizada em ordem cronológica, como todas da série, a compilação dedicada a Coltrane sintetiza sua vertiginosa trajetória entre 1961 e 1967. Da ainda comportada versão de "Greensleeves" à angustiada "Ogunde", passando pelos solos frenéticos de "Chasin" the Trane", formou-se uma mística ainda não superada entre os fãs do jazz.
Três parceiros de Coltrane nesse período também ganharam compilações. O pianista McCoy Tyner, que o acompanhou até 1965, ainda soa aquém dos limites com a vanguarda nos álbuns que gravou para a Impulse, mas brilha quando toca composições próprias.
Depois de tocar com o marido em suas últimas gravações, Alice Coltrane seguiu carreira solo. Em faixas como "Jaya, Jaya Rama" e "Journey to Satchidananda", ela mostra um estilo único ao piano, em meio a fortes influências orientais.
Pharoah Sanders, saxofonista que a acompanha em algumas faixas, enveredou por caminho semelhante. Na hipnótica "The Creator Has a Master Plan" (com 32 minutos de duração), ele combina caos sonoro com referências espirituais.
Também adepto do atonalismo do free jazz, o saxofonista Albert Ayler chamou a atenção de Coltrane, que o indicou à Impulse, impressionado por sua inusitada mistura de vanguarda, blues e sons de bandas militares. Já Archie Shepp, outro pupilo de Coltrane, foi o saxofonista mais politizado dessa geração.
Sua composição "Attica Blues", em protesto contra um massacre numa penitenciária, acabou se tornando um clássico do jazz militante.

Suíte inovadora
O baixista Charles Mingus e o saxofonista Sonny Rollins já eram consagrados, nos anos 60, quando se uniram à Impulse.
Mingus criou ali um dos seus melhores álbuns: "The Black Saint and The Sinner Lady" (1963), inovadora suíte, que aparece na compilação. Rollins também viveu um momento especial, como provam as versões de "Three Little Words" e "On Green Dolphin Street".
Já o pianista Keith Jarrett e o saxofonista Gato Barbieri destacaram-se no elenco da Impulse dos anos 70. O grupo com o qual Jarrett gravou faixas como "Bop Be" e "Silence" é cultuado hoje como uma das preciosidades daquela década. E o argentino Barbieri (conhecido pela trilha do filme "O Último Tango em Paris") começava na época a trocar a vanguarda por uma síntese da música de vários países latino-americanos, inclusive o Brasil, na percussiva "Encontros".
Algumas gravações podem até não agradar a todos fãs do jazz, mas o valor histórico dessa série é inegável. Que venham outras. (CC)

THE IMPULSE STORY    
Artistas: John Coltrane, Archie Shepp e outros
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 25, em média, cada CD


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