São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2007

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Crítica/"Spazio Pirandello - Assim Era Se Lhe Parece"

Obra narra causos e fofocas do Piranda

Wladimir Soares conta as histórias de seu restaurante, principal reduto da boemia de esquerda paulistana nos anos 80

REINALDO MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Meu Deus, abriram a porta do cemitério!", vociferou Maschio, um dos donos do apinhado Pirandelllo e seu exuberante mestre sem cerimônias, saudando a chegada de um freqüentador bissexto, em qualquer dia da primeira metade dos anos 80.
Antônio Maschio era um ator pouco conhecido fora da classe teatral, mas talentoso cozinheiro e antenado assessor de imprensa. Ele e Wladimir Soares, na época crítico de música popular do "Jornal da Tarde", foram os fundadores do Spazio Pirandello, o point mais badalado da boemia "de esquerda" da cidade, entre 1980-1985, período em que a dupla esteve à frente do negócio.
Instalado num velho casarão de 1905, do lado fuleiro da rua Augusta, onde se dizia -mas não se provava- que Oswald de Andrade teria morado, o "Piranda", como era chamado pelos habitués, reunia basicamente "bichas e intelectuais politizados", como brinca Soares na biografia que escreveu sobre o extinto bar-restaurante-livraria-galeria-antiquário-eventódromo, intitulada "Spazio Pirandello - Assim Era Se Lhe Parece".
Na verdade, dava de tudo, e, com jeitinho, tudo dava, "nas noite lúbricas daquela época", como lembra Soares. A época, no caso, era a da ditadura do cavalariano Figueiredo, última do ciclo militar, sob duradoura crise econômica e hiperinflação galopante. Dentro do bar, ao lado do dominante papo-furado de café, fazia-se também política, como a campanha das Diretas-Já, em 1984, além de lançamentos de candidaturas.

Arte e política
Política à parte, a história do saudoso Piranda é assumidamente narrada por Wladimir Soares como um "case" de marketing, e a maioria de suas páginas é dedicada à enumeração dos eventos artísticos, lúdicos e políticos que a casa promovia, que iam de exposições de arte e lançamentos de livros a uma animada banda carnavalesca, passando por uma "calçada da fama" que a Sabesp e a Eletropaulo não perdoaram com suas britadeiras.
Protagonistas dos eventos e expoentes do público são mecionados em cascata, muitos deles com direito a minibiografia. Prato cheio para quem foi daquela confraria, e ótimo painel cultural do período, mas talvez um pouco maçante para o leitor "leigo". De todo modo, o autor é bom de papo e vai temperando o incessante "name dropping" com fofocas picantes hoje inofensivas e vários causos engraçados.

Fim de jogo
Em 1985, quando os milicos sairam de cena, destravando a vida política do país, Maschio e Wladimir, cansados de guerra, e, imagino eu, cheios da grana, praticamente decretaram o fim do Pirandello ao passar a bola pra frente. Com isso, corroboraram, às avessas, a famosa sacada de W.H. Auden, segundo a qual "quando o processo histórico se interrompe... é uma boa hora de abrir um bar", usada por Antonio Callado de epígrafe do "Bar Don Juan" (ed. Nova Fronteira), na esteira do golpe de 64, que deu azo a memoráveis "bares de esquerda", como o Pirandello.


REINALDO MORAES é escritor e roteirista, autor de "Umidade" e "A Órbita dos Caracóis" (ambos pela Companhia das Letras), entre outros.

SPAZIO PIRANDELLO - ASSIM ERA SE LHE PARECE
Autor:
Wladimir Soares
Editora: Jaboticaba
Quanto: R$ 43,50 (192 págs.)
Avaliação: bom


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