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Crítica/"Spazio Pirandello - Assim Era Se Lhe Parece"
Obra narra causos e fofocas do Piranda
Wladimir Soares conta as histórias de seu restaurante, principal reduto da boemia de esquerda paulistana nos anos 80
REINALDO MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Meu Deus, abriram
a porta do cemitério!", vociferou
Maschio, um dos donos do apinhado Pirandelllo e seu exuberante mestre sem cerimônias,
saudando a chegada de um freqüentador bissexto, em qualquer dia da primeira metade
dos anos 80.
Antônio Maschio era um ator
pouco conhecido fora da classe
teatral, mas talentoso cozinheiro e antenado assessor de imprensa. Ele e Wladimir Soares,
na época crítico de música popular do "Jornal da Tarde", foram os fundadores do Spazio
Pirandello, o point mais badalado da boemia "de esquerda"
da cidade, entre 1980-1985, período em que a dupla esteve à
frente do negócio.
Instalado num velho casarão
de 1905, do lado fuleiro da rua
Augusta, onde se dizia -mas
não se provava- que Oswald de
Andrade teria morado, o "Piranda", como era chamado pelos habitués, reunia basicamente "bichas e intelectuais
politizados", como brinca Soares na biografia que escreveu
sobre o extinto bar-restaurante-livraria-galeria-antiquário-eventódromo, intitulada "Spazio Pirandello - Assim Era Se
Lhe Parece".
Na verdade, dava de tudo, e,
com jeitinho, tudo dava, "nas
noite lúbricas daquela época",
como lembra Soares. A época,
no caso, era a da ditadura do cavalariano Figueiredo, última do
ciclo militar, sob duradoura crise econômica e hiperinflação
galopante. Dentro do bar, ao lado do dominante papo-furado
de café, fazia-se também política, como a campanha das Diretas-Já, em 1984, além de lançamentos de candidaturas.
Arte e política
Política à parte, a história do
saudoso Piranda é assumidamente narrada por Wladimir
Soares como um "case" de marketing, e a maioria de suas páginas é dedicada à enumeração
dos eventos artísticos, lúdicos e
políticos que a casa promovia,
que iam de exposições de arte e
lançamentos de livros a uma
animada banda carnavalesca,
passando por uma "calçada da
fama" que a Sabesp e a Eletropaulo não perdoaram com suas
britadeiras.
Protagonistas dos eventos e
expoentes do público são mecionados em cascata, muitos
deles com direito a minibiografia. Prato cheio para quem foi
daquela confraria, e ótimo painel cultural do período, mas
talvez um pouco maçante para
o leitor "leigo". De todo modo, o
autor é bom de papo e vai temperando o incessante "name
dropping" com fofocas picantes
hoje inofensivas e vários causos
engraçados.
Fim de jogo
Em 1985, quando os milicos
sairam de cena, destravando a
vida política do país, Maschio e
Wladimir, cansados de guerra,
e, imagino eu, cheios da grana,
praticamente decretaram o fim
do Pirandello ao passar a bola
pra frente. Com isso, corroboraram, às avessas, a famosa sacada de W.H. Auden, segundo a
qual "quando o processo histórico se interrompe... é uma boa
hora de abrir um bar", usada
por Antonio Callado de epígrafe do "Bar Don Juan" (ed. Nova
Fronteira), na esteira do golpe
de 64, que deu azo a memoráveis "bares de esquerda", como
o Pirandello.
REINALDO MORAES é escritor e roteirista, autor de "Umidade" e "A Órbita dos Caracóis" (ambos pela Companhia das Letras), entre outros.
SPAZIO PIRANDELLO - ASSIM ERA SE LHE PARECE
Autor: Wladimir Soares
Editora: Jaboticaba
Quanto: R$ 43,50 (192 págs.)
Avaliação: bom
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