São Paulo, sexta-feira, 09 de fevereiro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"A BRUXA DE BLAIR 2"
Continuação da maior surpresa de 1999 custou mais e arrecadou menos que a versão original

Filme separa entretenimento e realidade

ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

A pergunta ecoava sem resposta entre os executivos da Artisan: como fazer a sequência de um fenômeno cultural que custou míseros US$ 35 mil e arrecadou mais de US$ 140 milhões?
A resposta que vinha da legião de fãs do primeiro "A Bruxa de Blair" era simplesmente não fazer. O que esses aficionados não queriam era dar ao nome "A Bruxa de Blair" qualquer associação comercial, e a mensagem era clara: o primeiro filme fora suficientemente intrigante e apaixonante, nada poderia superá-lo.
Mas a Artisan, claro, sentiu-se no direito de explorar um pouco mais a histeria coletiva que envolveu "BB1", e fazer ou não "A Bruxa de Blair 2" nunca chegou a ser uma dúvida, mesmo sabendo que os criadores do filme original -Daniel Myrick e Eduardo Sanchez- não estavam dispostos a perder tempo com isso.
Tanta certeza eles tinham no sucesso de "BB2" que lhe destinaram um orçamento 500 vezes maior: US$ 15 milhões e apenas nove meses de prazo.
A solução foi chamar um dos mais respeitados documentaristas americanos, Joe Berlinger, 37, que dedicou seus quase 20 anos de carreira a explorar a vida, os motivos e os crimes de serial killers nos EUA para abraçar "BB2".
Berlinger, que há muito procurava fazer seu primeiro longa, aceitou o desafio e, em apenas cinco semanas, tinha um roteiro.
"Eu estava em uma reunião, tentando vender meu primeiro filme para o estúdio", disse ele em entrevista à Folha em Los Angeles, "quando eles disseram: "Olha, esse seu filme nós não vamos fazer, mas o que você diria se nós o convidássemos para escrever e dirigir "BB2'?'"
Berlinger diz que ficou sem fala. Primeiro porque, como documentarista, havia ficado perturbado com "BB1", não só por causa da histeria cultural que antecipou e seguiu-se ao filme, mas porque os produtores tentaram ludibriar o público vendendo a idéia como coisa real. "Havia pessoas que acreditavam que não se tratava de um filme, mesmo vendo os atores principais na capa das principais revistas especializadas."
Mas, na pele de grande fã de filmes de terror, Berlinger acha que "BB1" foi uma agradável surpresa. Portanto, o diretor estava dividido e decidiu que só aceitaria a proposta se pudesse fazer a sequência da forma que bem entendesse; assim, ele fez o que chamou de uma sequência pós-moderna.
"Decidi fazer um filme sobre a reação que o primeiro "BB" provocou", disse. "Fico profundamente perturbado com a falta de discernimento entre realidade e entretenimento e decidi explorar isso em meu filme", explicou.
O diretor acha que, quando foi convidado para fazer "BB2", a intenção da Artisan era aproveitar suas qualidades como documentarista e repetir o formato do primeiro filme de forma ainda mais grandiosa. Mesmo sabendo disso, ele quis andar por florestas nunca antes visitadas.
"Não podia simplesmente chacoalhar a câmera, enganar mais uma vez o público e revisitar o primeiro cenário. Até porque, para mim, o diabo tem feições muito humanas, e não sobrenaturais como "BB1" insinua." Para ele, que lida com serial killers em seus documentários há anos, diabólico e demoníaco são os homens que vestem-se de padres e estupram meninas ou aqueles que dedicam uma vida a torturar e violentar outros seres humanos. "O demônio vive entre os homens, e não na floresta", afirma categoricamente.
Berlinger conta que sempre soube que a continuação do fenômeno "A Bruxa de Blair" não seria seguida do enorme sucesso do primeiro. "Não se pode derrubar o Muro de Berlim duas vezes", disse. Mas talvez ele não esperasse é que seu "A Bruxa de Blair" arrecadasse menos de US$ 30 milhões em bilheteria nos Estados Unidos.
A vontade dele, entretanto, era fazer um filme ainda menos comercial, com menos sangue, menos violência gráfica e com um final ainda mais aberto do que aquele que está hoje nas telas, mas o estúdio não permitiu.
"Sou um grande fã do comportamento degenerado do homem", explicou ele. "E quem conseguir entender o filme que fiz, vai perceber que se trata de um documentário satírico sobre o fenômeno cultural e a histeria coletiva que o primeiro "A Bruxa de Blair" significou."
Não se pode acusá-lo de falta de ousadia, é verdade. Porque, ao tentar demarcar em cores muito fortes a linha que separa entretenimento e realidade, ele acabou destruindo aquele que foi o grande diferencial do primeiro filme: exatamente isso, a falta de distinção entre entretenimento e realidade.
(MILLY LACOMBE)


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