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CRÍTICA
Busca por voz própria guia retrato da periferia
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
Trata-se de uma questão
central das cinematografias
periféricas atuais: encontrar voz
própria face aos barulhentos
meios de promoção e imposição
da cultura dominante. O cinema
brasileiro tem se mostrado dividido entre uma vontade de integração ao "mainstream" e uma
busca pela diferença. Parece ter
encontrado sua "voz própria"
no documentário, acompanhando a revalorização do gênero, o que se reflete na programação dos festivais internacionais.
"Fala Tu", exibido nos festivais
do Rio de Janeiro e São Paulo e
agora no Panorama de Berlim, é
um bom exemplo dessa procura
pela diferença.
O diretor Guilherme Coelho e
o roteirista Nathaniel Leclery
acompanharam durante nove
meses alguns personagens da
zona norte do Rio. Em comum,
eles guardam o hip hop como
expressão pessoal e política, com
letras profundamente ligadas ao
seu cotidiano.
Macarrão, Thogum e Combatente fogem completamente do
estereótipo que se faz das comunidades periféricas do Rio de Janeiro, supostamente repartidas
entre a violência e o evangelismo. Macarrão é apontador do
jogo do bicho e batalha para sustentar duas filhas. Thogum é budista e vende produtos esotéricos. Combatente é operadora de
telemarketing e freqüentadora
do Santo Daime. Eles encontraram no rap sua voz, mas ainda
enfrentam imensa dificuldade
de se fazerem ouvir. Acompanhá-los é uma maneira de mostrar, de modo simples, como os
caminhos são tortuosos na divisão estratificada da sociedade
brasileira.
"Fala Tu" sabe ouvir seus personagens, ainda que Guilherme
Coelho, às vezes, force uma intimidade que não parece verdadeira. O jovem diretor, de 24
anos, ainda não tem o "savoir-faire" que permitiu a Eduardo
Coutinho, por exemplo, obter
depoimentos profundamente
reveladores e pessoais em "Santo Forte" e "Edifício Master".
Mas, em geral, ele consegue revelar com fidelidade e bom humor o que se passa pela cabeça
de seus entrevistados.
"Fala Tu" é um filme que está
ele mesmo em busca de sua voz
própria, ao mesmo tempo em
que busca dar voz àqueles que
têm negado o direito de se fazerem ouvir. Nesta encruzilhada
de buscas, em que se confundem
cinema e música, está toda a força do filme.
Avaliação:
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