São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2004

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CRÍTICA

Busca por voz própria guia retrato da periferia

PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Trata-se de uma questão central das cinematografias periféricas atuais: encontrar voz própria face aos barulhentos meios de promoção e imposição da cultura dominante. O cinema brasileiro tem se mostrado dividido entre uma vontade de integração ao "mainstream" e uma busca pela diferença. Parece ter encontrado sua "voz própria" no documentário, acompanhando a revalorização do gênero, o que se reflete na programação dos festivais internacionais.
"Fala Tu", exibido nos festivais do Rio de Janeiro e São Paulo e agora no Panorama de Berlim, é um bom exemplo dessa procura pela diferença.
O diretor Guilherme Coelho e o roteirista Nathaniel Leclery acompanharam durante nove meses alguns personagens da zona norte do Rio. Em comum, eles guardam o hip hop como expressão pessoal e política, com letras profundamente ligadas ao seu cotidiano.
Macarrão, Thogum e Combatente fogem completamente do estereótipo que se faz das comunidades periféricas do Rio de Janeiro, supostamente repartidas entre a violência e o evangelismo. Macarrão é apontador do jogo do bicho e batalha para sustentar duas filhas. Thogum é budista e vende produtos esotéricos. Combatente é operadora de telemarketing e freqüentadora do Santo Daime. Eles encontraram no rap sua voz, mas ainda enfrentam imensa dificuldade de se fazerem ouvir. Acompanhá-los é uma maneira de mostrar, de modo simples, como os caminhos são tortuosos na divisão estratificada da sociedade brasileira.
"Fala Tu" sabe ouvir seus personagens, ainda que Guilherme Coelho, às vezes, force uma intimidade que não parece verdadeira. O jovem diretor, de 24 anos, ainda não tem o "savoir-faire" que permitiu a Eduardo Coutinho, por exemplo, obter depoimentos profundamente reveladores e pessoais em "Santo Forte" e "Edifício Master". Mas, em geral, ele consegue revelar com fidelidade e bom humor o que se passa pela cabeça de seus entrevistados.
"Fala Tu" é um filme que está ele mesmo em busca de sua voz própria, ao mesmo tempo em que busca dar voz àqueles que têm negado o direito de se fazerem ouvir. Nesta encruzilhada de buscas, em que se confundem cinema e música, está toda a força do filme.


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