São Paulo, quarta-feira, 09 de fevereiro de 2005

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Clint Eastwood tenta segundo Oscar na direção com "Menina de Ouro"

Touro indomável

BRUNO LESTER
DA IFA

O ator Clint Eastwood fez 74 anos, mas não está apenas curtindo seus dois Oscar -direção e filme- por "Os Imperdoáveis" (92). Depois de ter refeito sua imagem diversas vezes, o astro, que tem no currículo mais de 50 longas como ator e 25 como diretor, continua a ser uma potência.
Seu "Menina de Ouro", que estréia nesta sexta no Brasil, já levou o Globo de Ouro de melhor direção, no mês passado, e na cerimônia do Oscar, marcada para o dia 27, está entre os favoritos para ganhar sua segunda estatueta -Martin Scorsese, com "O Aviador", é o único que pode impedir.
Adaptado de livro de contos do ex-pugilista F.X. Toole, "Menina de Ouro" mostra a relação entre Frank (Eastwood), um velho treinador de boxe, e Maggie (Hilary Swank), a garçonete que, a contragosto, concorda em treinar.
Com direção enxuta, o filme custou US$ 30 milhões (cerca de R$ 78 milhões), foi rodado em 38 dias e indicado a sete Oscar.
A carreira de Eastwood decolou com o seriado de TV "Rawhide", em 1959. Quando o programa chegou ao fim, em 1966, se tornou famoso no cinema estrelando os westerns spaghetti de Sergio Leone. Nos anos 70, se consolidou com a franquia "Dirty Harry".
Apesar de sua carreira prolífica -continua a rodar um filme por ano, pelo menos-, encontrou tempo para começar uma nova família. Sua filha de oito anos, Morgan, faz sua estréia no cinema como a menina que acena para a personagem de Hilary Swank.

 

Pergunta - Como continua a fazer cinema por tanto tempo?
Clint Eastwood -
Tenho tido sorte. Estou durando mais do que todos, me recusei a ir embora.

Pergunta - Você encontrou sua expressão aos 60 anos...
Eastwood -
É verdade, as pessoas parecem se surpreender com isso. Outra noite, Steven Spielberg me disse: "Você dá esperanças a nós que estamos vindo depois de você, porque faz seus melhores trabalhos agora, aos 70 anos".

Pergunta - Mesmo assim, parece que você sempre enfrenta problemas para realizar seus projetos.
Eastwood -
Quando levei "Menina de Ouro" para o estúdio [a Warner Bros.], eles disseram: "Filmes sobre boxe não vendem". Pensaram que seria algo como um "Rocky" feminino. Disse a eles: "Não é uma história sobre boxe, é sobre esperanças e sonhos. É uma história de amor. O boxe apenas está ali". Não adiantou [no final, a Warner arcou com metade do orçamento; o restante saiu da independente Lakeshore Entertainment]. Com "Sobre Meninos e Lobos" foi a mesma coisa. Tive que implorar por dinheiro, pedir emprestado e roubar.

Pergunta - Que tipo de projetos os estúdios esperam?
Eastwood -
Estão interessados em seqüências, remakes ou adaptações de seriados antigos. Não sei se isso se deve ao ambiente empresarial ou se as pessoas simplesmente andam sem idéias. Daqui a pouco vão querer fazer um filme baseado em "Rawhide".

Pergunta - Ainda lhe sugerem que volte a fazer "Dirty Harry"?
Eastwood -
Sim. Quem sabe algum roteirista seja capaz de fazer algo brilhante com aquilo. Nunca diga "dessa água não beberei".

Pergunta - O que faz você ter vontade de fazer um filme?
Eastwood -
Ainda me sinto instigado quando encontro uma história boa. Posso não dar pulos tão altos quanto dava antes [risos], mas ainda sinto vontade de pular. Estou velho demais para representar um personagem jovem, fazendo coisas em que ninguém acreditaria. Gosto de heróis que tenham uma falha pessoal ou um obstáculo que precisam superar.

Pergunta - Você tem evitado os papéis de durão?
Eastwood -
Representar tiras enfurecidos ou pais vingativos não me interessa mais. Repetir o que já fiz no passado não é uma opção. Foi divertido, mas não quero voltar a ser Dirty Harry.

Pergunta - Quais são as vantagens de envelhecer?
Eastwood -
Você pode brincar de coisas que nunca brincou antes. Mas, para se manter vivo, precisa criar obstáculos a superar.

Pergunta - Você vai se aposentar como ator?
Eastwood -
Em algum momento vou passar a só dirigir. É bem mais difícil fazer as duas coisas. Em um certo ponto direi "chega", como Cary Grant fez quando estava com uns 60 anos. Acho que ele concluiu que estava velho para se ver como um par romântico.

Pergunta - Como diretor, você trabalha rápido.
Eastwood -
Odeio fazer muitos ensaios e muitas tomadas. Conversei certa vez com um diretor que gosta de ensaiar as cenas até elas ficarem ruins e então continuar a ensaiar até elas ficarem boas novamente. Achei isso uma maneira estranha de trabalhar. Gosto de dirigir do jeito que gosto de ser dirigido, que é: "Deixe-me ir aí e lhe mostrar o que eu sei fazer". E, se o que eu sei fazer não serve, então me diga e vamos trabalhar para melhorar. Mas não diga: "Fique parado ali, diga isso e vamos repetir isso 25 vezes", senão a cena vai ficar velha, passada.

Pergunta - Sempre dirigiu assim?
Eastwood -
Não, isso começou quando eu estava fazendo "Os Imperdoáveis". Pedi a Gene Hackman que repassasse uma cena enquanto eu pensava em onde colocar a câmera, então ele começou. Ele estava tão perfeito que falei: "Pare, vamos ligar a câmera". Fiquei desesperado. Estava tão bom que eu não queria perder o frescor, a espontaneidade.

Pergunta - Como você descreveria seu estilo de direção?
Eastwood -
Não me vejo como tendo um estilo específico. Eu me vejo como tendo um estilo que se adapta ao filme. É a história que manda. Se você tem um roteiro realmente bom e gente boa, precisa fazer um esforço muito grande para conseguir estragar tudo.

Pergunta - Existem coisas que você gostaria de ter feito diferente?
Eastwood -
Todo o mundo, quando olha para sua vida passada, tem coisas que gostaria de ter feito diferente. Mas toda decisão que já tomei na vida foi baseada no conhecimento que eu tinha na época. Podem não ser as decisões que eu tomaria hoje, mas não é possível voltar para trás.

Pergunta - Qual será seu próximo projeto?
Eastwood -
Vou começar a filmar "Flags of Our Fathers" (bandeiras de nossos pais), sobre os soldados americanos que hastearam a bandeira sobre Iwo Jima na Segunda Guerra, com produção de Spielberg. Vai ser difícil e muito diferente. Mas, se trabalharmos bem, pode sair algo especial.


Tradução Clara Allain

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