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Crítica/"Lendo Música"
Coletânea analisa caminhos da MPB
Ensaios compõem painel de nossa diversidade musical contemporânea e tratam do "fim da canção tal como a conhecemos"
CARLOS SANDRONI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A contribuição específica
da coletânea "Lendo
Música" está em propor textos focados na unidade
mínima de sentido da música
popular, ou seja, a canção. Como bem nota Arthur Nestrovski em sua introdução, apesar da
desproporção entre a importância da música popular no
Brasil e a ainda relativamente
pequena bibliografia sobre o tema, esta vem crescendo nos últimos anos. Tal bibliografia no
entanto ainda dedica pouco espaço ao estudo de canções específicas, privilegiando, em vez,
os gêneros, autores e/ou intérpretes. A grande exceção é Luiz
Tatit, que em sua obra de estudioso sempre dedicou espaço
grande para a análise detalhada
de canções específicas.
Outros raros exemplos seriam a análise de "Cajuína" por
José Miguel Wisnik ("Cajuína
Transcendental" em "Leitura
de Poesia", de Alfredo Bosi, ed.
Ática) e o livro "Três Canções
de Tom Jobim" (de Lorenzo
Mammì, Luiz Tatit e Arthur
Nestrovski, Cosac Naify).
Panorama expressivo
As dez canções escolhidas
formam um panorama expressivo da diversidade musical da
canção de consumo na atualidade, incluindo samba, rap,
funk, brega e o inclassificável
Luiz Tatit (agora em sua faceta
de compositor). Ao contrário
do que poderia sugerir o projeto de uma "lista de dez", a ênfase é anticanônica. Dos geralmente tidos como "clássicos"
da MPB, só encontramos Ari
Barroso, Cartola e Caetano Veloso. E a única canção anterior
a 1975 é "Aquarela do Brasil".
Se há então um saudável descentramento em relação a gêneros, nomes e épocas de ouro,
o mesmo não se pode dizer do
quesito geografia. Todas as canções estudadas foram produzidas no eixo Rio-São Paulo, mesmo que seus autores venham
de outros pontos do país -o
que não faz jus à tendência regionalista que tem marcado a
produção de música popular
desde os anos 1990. Note-se,
porém, que os ensaístas contactados pelo organizador tiveram total autonomia na escolha
de seus temas, o que nos impede de atribuir o perfil final da
lista a qualquer premeditação.
Não é possível comentar aqui
todos os ensaios. Mas um ponto
que reaparece de maneira mais
ou menos explícita em vários
deles é o do "fim da canção tal
como a conhecemos". A idéia,
lembra Francisco Bosco, foi expressa de maneira emblemática por ninguém menos que
Chico Buarque em entrevista a
esta Folha (em 26 de dezembro de 2004).
Em seu aspecto mais óbvio,
ela diz respeito à importância
assumida pelo rap, que, ao minimizar o parâmetro "melodia", teria posto em xeque um
dos pilares da canção. Mas, generalizada, ela se relaciona
também ao hiato, assinalado
por Hermano Vianna e Samuel
Araújo, entre a "imensa repercussão social" de alguns dos
novos ou não tão novos gêneros de música popular, e a parcela da mídia e do público identificada com a MPB, entendida
como padrão de bom gosto, como nosso classicismo tupiniquim. Um classicismo já posto
irremediavelmente no passado, mesmo e sobretudo na
perspectiva de seus mais irredutíveis cultores, como sugere
Lorenzo Mammì no belo ensaio que fecha a coletânea.
Sim, talvez o coro esteja afinal desafinando, talvez o refrão
não seja mais unânime. Mas
quando terá sido? Pensando
bem, será que fomos, algum
dia, realmente emepebistas?
Em todo caso, o variado panorama traçado por esta coletânea ajuda a espantar qualquer
pessimismo. Clássicos ou maneiristas, bregas ou b-boys, ele
nos mostra ainda e por muito
tempo seguindo as canções
-para as mais variadas, inesperadas e opostas direções.
CARLOS SANDRONI é professor no Núcleo de
Etnomusicologia da Universidade Federal de
Pernambuco.
LENDO MÚSICA - 10 ENSAIOS SOBRE 10 CANÇÕES
Organização: Arthur Nestrovski
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 34 (240 págs.)
Avaliação: bom
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