São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Lendo Música"

Coletânea analisa caminhos da MPB

Ensaios compõem painel de nossa diversidade musical contemporânea e tratam do "fim da canção tal como a conhecemos"

CARLOS SANDRONI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A contribuição específica da coletânea "Lendo Música" está em propor textos focados na unidade mínima de sentido da música popular, ou seja, a canção. Como bem nota Arthur Nestrovski em sua introdução, apesar da desproporção entre a importância da música popular no Brasil e a ainda relativamente pequena bibliografia sobre o tema, esta vem crescendo nos últimos anos. Tal bibliografia no entanto ainda dedica pouco espaço ao estudo de canções específicas, privilegiando, em vez, os gêneros, autores e/ou intérpretes. A grande exceção é Luiz Tatit, que em sua obra de estudioso sempre dedicou espaço grande para a análise detalhada de canções específicas.
Outros raros exemplos seriam a análise de "Cajuína" por José Miguel Wisnik ("Cajuína Transcendental" em "Leitura de Poesia", de Alfredo Bosi, ed. Ática) e o livro "Três Canções de Tom Jobim" (de Lorenzo Mammì, Luiz Tatit e Arthur Nestrovski, Cosac Naify).

Panorama expressivo
As dez canções escolhidas formam um panorama expressivo da diversidade musical da canção de consumo na atualidade, incluindo samba, rap, funk, brega e o inclassificável Luiz Tatit (agora em sua faceta de compositor). Ao contrário do que poderia sugerir o projeto de uma "lista de dez", a ênfase é anticanônica. Dos geralmente tidos como "clássicos" da MPB, só encontramos Ari Barroso, Cartola e Caetano Veloso. E a única canção anterior a 1975 é "Aquarela do Brasil".
Se há então um saudável descentramento em relação a gêneros, nomes e épocas de ouro, o mesmo não se pode dizer do quesito geografia. Todas as canções estudadas foram produzidas no eixo Rio-São Paulo, mesmo que seus autores venham de outros pontos do país -o que não faz jus à tendência regionalista que tem marcado a produção de música popular desde os anos 1990. Note-se, porém, que os ensaístas contactados pelo organizador tiveram total autonomia na escolha de seus temas, o que nos impede de atribuir o perfil final da lista a qualquer premeditação.
Não é possível comentar aqui todos os ensaios. Mas um ponto que reaparece de maneira mais ou menos explícita em vários deles é o do "fim da canção tal como a conhecemos". A idéia, lembra Francisco Bosco, foi expressa de maneira emblemática por ninguém menos que Chico Buarque em entrevista a esta Folha (em 26 de dezembro de 2004).
Em seu aspecto mais óbvio, ela diz respeito à importância assumida pelo rap, que, ao minimizar o parâmetro "melodia", teria posto em xeque um dos pilares da canção. Mas, generalizada, ela se relaciona também ao hiato, assinalado por Hermano Vianna e Samuel Araújo, entre a "imensa repercussão social" de alguns dos novos ou não tão novos gêneros de música popular, e a parcela da mídia e do público identificada com a MPB, entendida como padrão de bom gosto, como nosso classicismo tupiniquim. Um classicismo já posto irremediavelmente no passado, mesmo e sobretudo na perspectiva de seus mais irredutíveis cultores, como sugere Lorenzo Mammì no belo ensaio que fecha a coletânea.
Sim, talvez o coro esteja afinal desafinando, talvez o refrão não seja mais unânime. Mas quando terá sido? Pensando bem, será que fomos, algum dia, realmente emepebistas?
Em todo caso, o variado panorama traçado por esta coletânea ajuda a espantar qualquer pessimismo. Clássicos ou maneiristas, bregas ou b-boys, ele nos mostra ainda e por muito tempo seguindo as canções -para as mais variadas, inesperadas e opostas direções.


CARLOS SANDRONI é professor no Núcleo de Etnomusicologia da Universidade Federal de Pernambuco.

LENDO MÚSICA - 10 ENSAIOS SOBRE 10 CANÇÕES
Organização:
Arthur Nestrovski
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 34 (240 págs.)
Avaliação: bom


Texto Anterior: Rodapé literário: Desespero e melancolia
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.