São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2000


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TEATRO
Atriz assume ofício em "Quinze Personagens à Procura de um Papel", com alunos do Célia Helena (SP)
Yáconis, 50 de palco, estréia na direção

da Redação

Desde a primeira atuação no palco, 50 anos atrás, o acaso converteu-se em coadjuvante na carreira de Cleyde Becker Yáconis. Em 1950, ela sonhava com medicina, cursava o terceiro ano científico (segundo grau) quando foi surpreendida com o convite para substituir Nydia Lícia em "Anjo de Pedra", de Tennessee Williams. Contracenou de chofre com a irmã Cacilda. Hoje, aos 76 anos, tampouco imaginava assinar a sua primeira direção teatral. Tudo por acaso (mas nem tanto).
No próximo sábado, Yáconis estréia "Quinze Personagens à Procura de um Papel", um apanhado de textos de grandes dramaturgos: Shakespeare, Tchecov, Brecht, Strindberg, Eurípedes, Lorca, Albee etc. Trata-se de fragmentos pinçados pelos próprios formandos do teatro-escola Célia Helena, onde ela dá aula.
Convidada pela diretora da instituição, a também atriz Lígia Cortez, Yáconis fora incumbida de trabalhar durante três meses com os estudantes, dando-lhes subsídios para interpretação. A direção ficaria a cargo de outra pessoa. Mas Lígia conseguiu convencê-la a levar o projeto a cabo.
"Não é uma descoberta de vocação a essa altura da vida", descarta Yáconis. Sentiu-se estimulada pela "safra" de atores (três rapazes, 11 moças -a 15ª não irá atuar por problema de saúde).
A trajetória artística de Yáconis contempla também a TV e o cinema (este em menor proporção, como em "Na Senda do Crime", 1954, dirigido por Flamínio Bollini). A última atuação em novela foi em "Torre de Babel" (1998), na qual interpretava Diolinda, que lhe deu o prêmio de melhor coadjuvante pela crítica, devidamente ignorado pela atriz ("eu não gosto de prêmios", simplesmente).
Há 10 anos, Yáconis adotou como residência uma chácara localizada em Jundiaí (60 km a noroeste de São Paulo). Um cômodo contíguo à sala em que recebeu a Folha tem suas paredes preenchidas por fotos em preto-e-branco de Cacilda Becker (1921-69). Até o figurino e o chapéu-coco de Estragon, o derradeiro papel do mito ("Esperando Godot", Samuel Beckett) estão lá expostos a um silêncio beckettiano por excelência.
Yáconis mora sozinha. Em casa, passa boa parte do tempo com os cães Pipoca e Felipe e com os caseiros. Não teve filhos ("sábia resolução"), casou uma vez ("não sou romântica, detesto melação"), tem ojeriza a efemérides ("não festejo nem aniversário, que bobagem!") e se incomoda quando perguntada sobre sua relação com Cacilda ("vocês acham que por ser irmã tinha inimizade?"). Leia principais trechos da sua entrevista. (VALMIR SANTOS)

A IRMÃ -
"Tem Fernanda, Tonia Carrero, por que me perguntam sobre Cacilda? Vocês acham que por ser irmã tinha inimizade? Concorrência existe, pois quando você é uma atriz procura trabalhar para fazer bem o seu papel, mas não para ofuscar outra atriz. Eu e Cacilda nos amávamos. A nossa família era constituída de paixão. Qualquer estréia da Cacilda matava-me de pavor, de angústia, e a recíproca era verdadeira. Ela queria que eu fizesse o melhor possível, tínhamos loucura uma pela outra."

A PROFESSORA -
"A experiência de dar aulas também é recente. Há cerca de três anos, dei um curso para os professores do teatro-escola Célia Helena. É a segunda vez que estou lá, agora com os alunos. Também passei pela Casa de Artes Laranjeiras (CAL), no Rio. Eu gosto muito."

A DIRETORA -
"É sempre um começo. Quando você pega um texto, aos 50 anos de carreira, começa a viver o mesmo medo, a mesma tortura. Existe um papel com letras de fôrmas e precisa transformá-las em seres humanos. A direção é uma incógnita: se vai dar certo ou errado, só quando estrear vamos saber."

O MÉTODO -
"É o resumo do que aprendi nesses 50 anos, uma maneira de estudar que é composta de várias experiências, de atores, diretores que sempre observei. Eu fui juntando. Evidentemente, alguns poderão rejeitar essa minha maneira de estudar."

AS INFLUÊNCIAS -
"Posso citar um ou outro diretor que chegou mais profundamente, mas, depois de tanto tempo de teatro, é uma soma de todos: Ziembinski, Celi, Salce, Bollini, Ratto, Abujamra, Ulysses Cruz etc. Mas gosto mais quando o diretor alia uma encenação de inventivas com o ator bem amparado; não pode ser posto em segundo plano."

A POLÍTICA -
"Engajamento é diferente de conhecimento. O teatro é uma síntese da sociedade. Muda conforme o mundo porque joga no palco a síntese da sociedade. Um ator que não saiba o que acontece no mundo, dificilmente poderá representar numa peça onde, digamos, o aspecto político seja importante, ou então o aspecto moral, ético, religioso. O ator será um alienado. Eu sou petista, mas não tenho uma atuação. Nunca fiz campanha, não tenho talento para isso. Mas esperança a gente sempre tem. Mesmo com as falhas, os erros, as divergências, mesmo aos trambolhões, o PT é uma alternativa."

A OPÇÃO -
"Para a mulher que não tem vocação, criança é uma coisa terrível, é um cansaço, é dificílimo você criar um filho. Eles são possessivos, querem você inteira, são exigentes. O que se faz de maldade, de espancamento por conta da impaciência..."

O ISOLAMENTO -
"Sou um bicho do mato, não saio, não vou a restaurantes. Quando termino de assistir a um espetáculo, não vou me despedir no camarim... É da casa para o trabalho, do trabalho para a casa, e só. Não vou a casa de ator, e atores não vêm à minha casa. Vivo solitária aqui. Tem gente que precisa de vínculo, como o Falabella, que precisa de 300 pessoas ao redor dele, à sua maneira. Eu, com mais de seis, não suporto."

OS 50 ANOS -
"Não ligo para essas coisas. Sinto-me uma principiante. Não sei para que festejar 50 anos. Eu não festejo nem aniversário, que bobagem. Eu não guardo nada, uma crítica, uma fotografia, o que passou, passou. Eu não gosto de prêmio, não vou receber."
"Eu gosto quando abro a cortina e sei que fiz bem e o público aplaude. É maravilhoso. O oposto, a vaia, é terrível. Não há nada mais doloroso do que você fazer um espetáculo e fracassar."


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