São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

"AS BODAS"

Felicidade precária sustenta longa de diretor russo

ESPECIAL PARA A FOLHA

É o dia de sorte de Mishka, um jovem operário de uma mina de carvão do interior da Rússia. Além de a mulher de seus sonhos, uma paixão de infância, ter reaparecido inesperadamente na cidade para pedir-lhe em casamento, o destino ainda lhe presenteia com seis meses de salários atrasados. As surpresas do dia, no entanto, estão mal começando.
Comédia picaresca, ao melhor estilo do humor eslavo, filmada em ritmo compulsivo pelo cineasta de "Taxi Blues", Pavel Louguine, um vigoroso talento do cinema russo pós-Perestroika, "As Bodas" é um desses filmes de festa em que tudo pode acontecer.
A ciranda em questão não chega a quebrar tabus, mas é uma daquelas em que, a exemplo do clássico de Renoir, "A Regra do Jogo", os convidados deixam as convenções e máscaras sociais de lado para satisfazerem suas libidos.
A noiva de Mishka, Tânia, é uma modelo doidinha que decidiu fugir de Moscou e da condição de manteúda de um empresário emergente para realizar uma fantasia de infância: fazer de Mishka o seu príncipe. Já o chefe de polícia local pretende realizar o percurso inverso ao de Tânia: decidido a conquistar uma transferência para Moscou, ele encarcera Mishka em busca dos favores do ex-amante da noiva.
Em sua volta às origens, Tânia parece representar a desilusão dos russos frente ao sonho do capitalismo cosmopolita. Nada mais rudimentar do que as relações econômicas retratadas aqui por Loguine, mas, por outro lado, o diretor não parece imbuído do menor saudosismo. A exemplo do personagem do taxista "ancien régime" de "Taxi Blues", sujeito trabalhador, mas obtuso, o personagem do pai em "As Bodas", um ex-operário padrão que não consegue ser nada mais do que pragmático, ilustra bem o que Louguine pensa da era comunista.
Como diria a tia da noiva, os jovens que outrora queriam entrar para o partido não são muito diferentes dos que hoje sonham em se tornar gângsteres. Entre o regime socialista obliterado de um passado recente e o capitalismo selvagem do presente, os russos continuam a se equilibrar. Eles não parecem ter saudades do passado, nem esperanças no futuro, mas é de uma situação assim precária que nascem os momentos da mais pura alegria. Esses momentos sustentam "As Bodas".
(TIAGO MATA MACHADO)


As Bodas
La Noce
   
Direção: Pavel Longuine
Produção: Rússia/França/Alemanha,2000
Com: Marat Basharov, Maria Mironova, Andrei Panine
Quando: a partir de hoje no Cinesesc




Texto Anterior: Televisão: Especialistas questionam canal do MinC
Próximo Texto: Teatro: Paiva vê a crise dos casamentos em "Mais-Que-Imperfeito"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.