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CINEMA
"AS BODAS"
Felicidade precária sustenta longa de diretor russo
ESPECIAL PARA A FOLHA
É o dia de sorte de Mishka,
um jovem operário de uma
mina de carvão do interior da
Rússia. Além de a mulher de seus
sonhos, uma paixão de infância,
ter reaparecido inesperadamente
na cidade para pedir-lhe em casamento, o destino ainda lhe presenteia com seis meses de salários
atrasados. As surpresas do dia, no
entanto, estão mal começando.
Comédia picaresca, ao melhor
estilo do humor eslavo, filmada
em ritmo compulsivo pelo cineasta de "Taxi Blues", Pavel Louguine, um vigoroso talento do cinema russo pós-Perestroika, "As
Bodas" é um desses filmes de festa
em que tudo pode acontecer.
A ciranda em questão não chega
a quebrar tabus, mas é uma daquelas em que, a exemplo do clássico de Renoir, "A Regra do Jogo",
os convidados deixam as convenções e máscaras sociais de lado
para satisfazerem suas libidos.
A noiva de Mishka, Tânia, é
uma modelo doidinha que decidiu fugir de Moscou e da condição de manteúda de um empresário emergente para realizar uma
fantasia de infância: fazer de
Mishka o seu príncipe. Já o chefe
de polícia local pretende realizar o
percurso inverso ao de Tânia: decidido a conquistar uma transferência para Moscou, ele encarcera
Mishka em busca dos favores do
ex-amante da noiva.
Em sua volta às origens, Tânia
parece representar a desilusão
dos russos frente ao sonho do capitalismo cosmopolita. Nada
mais rudimentar do que as relações econômicas retratadas aqui
por Loguine, mas, por outro lado,
o diretor não parece imbuído do
menor saudosismo. A exemplo
do personagem do taxista "ancien
régime" de "Taxi Blues", sujeito
trabalhador, mas obtuso, o personagem do pai em "As Bodas", um
ex-operário padrão que não consegue ser nada mais do que pragmático, ilustra bem o que Louguine pensa da era comunista.
Como diria a tia da noiva, os jovens que outrora queriam entrar
para o partido não são muito diferentes dos que hoje sonham em se
tornar gângsteres. Entre o regime
socialista obliterado de um passado recente e o capitalismo selvagem do presente, os russos continuam a se equilibrar. Eles não parecem ter saudades do passado,
nem esperanças no futuro, mas é
de uma situação assim precária
que nascem os momentos da
mais pura alegria. Esses momentos sustentam "As Bodas".
(TIAGO MATA MACHADO)
As Bodas
La Noce
Direção: Pavel Longuine
Produção: Rússia/França/Alemanha,2000
Com: Marat Basharov, Maria Mironova,
Andrei Panine
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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