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COMIDA
Em livro lançado na Bienal, autor palestino radicado na Espanha resgata as receitas e os segredos
da gastronomia do Oriente Médio
Sabor das arábias
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
A primeira incursão do palestino Salah Jamal à cozinha, território reservado exclusivamente às
mulheres no mundo árabe, não
ocorreu por iniciativa dele: foi encomendada pela mãe, interessada
em investigar por que os quibes
da cunhada síria eram muito melhores que os dela.
Todos os passos da tia foram
anotados pelo menino. Em vão.
Mesmo seguindo o relatório do
garoto "ao pé da letra", os bolinhos da mãe de Jamal continuaram aquém dos da tia dele.
Anos mais tarde, e já fora de sua
cidade natal, Nablus -ele está radicado há 32 anos em Barcelona,
onde é professor de diversidade
cultural na Universidade de
Vic-, Jamal, 54, visitou cozinhas
de libanesas, egípcias, marroquinas e palestinas com um novo
propósito: resgatar as receitas e os
segredos da gastronomia árabe.
Desta vez, a missão de Jamal foi
bem-sucedida e beneficia qualquer um que queira se aventurar
no universo das fragrâncias e sabores da região. As receitas relatadas oralmente por cada uma das
mulheres entrevistadas pelo palestino, que as considera "arquivos da cultura culinária", deram
origem a um livro lançado no
Brasil pela Senac, "Aroma Árabe"
(206 págs.; R$ 40), que é um dos
destaques do segmento na 19ª
Bienal do Livro de São Paulo.
Publicado originalmente em espanhol, já foi traduzido para seis
línguas e ganhou, em 2000, o prêmio de melhor livro de cozinha
estrangeira no Salon Livre Gourmand em Périgueux, na França.
Tamanho sucesso deve-se principalmente à maneira simplificada e bem-humorada encontrada
pelo autor para transmitir -mais
que receitas- um pouco da história e das tradições dos povos
árabes. "A gastronomia é como a
música, são signos identitários
que atravessam fronteiras sem
vistos nem documentos. Se forem
bons, serão aceitos em toda parte,
sem preconceito. Quanto aos gostos, não há nada determinado. Os
hambúrgueres do McDonald's
são horríveis, são a antítese da
gastronomia e do prazer e, no entanto, nos Estados Unidos e em
outros lugares, são aceitos", diz
Salah Jamal em entrevista à Folha.
Do homus ao cordeiro
Com receitas, as origens de cada
prato e os relatos do autor, cada
capítulo do livro é dedicado a
uma iguaria -dos populares e de
fácil preparo (quibe, homus e falafel) aos mais elaborados, como
o "al uzi", o apetitoso (e supertrabalhoso) cordeiro recheado com
amêndoa, pistache e pinole.
No trecho dedicado à cremosa
pasta de berinjela árabe, descobre-se que, na Síria e nos territórios palestinos, babaganuche é o
apelido de um prato chamado
"mutabal batinjen". Babaganuche, conta Jamal, quer dizer "irresistível e manhoso". Não por acaso, é servido pelas mães às filhas
solteiras, pois, diz a lenda, as que o
comem ficam "irresistíveis e manhosas" -qualidades que "valorizam a mulher árabe em idade de
casar".
Descrita como "o prato da nostalgia" e "dos pobres por excelência", a mijadra foi difundida nos
anos 40 e 50 no mundo árabe em
razão das guerras e migrações. No
Egito é chamada de kushari, e na
Síria, de mudardara. "A facilidade
de conservação e do transporte de
suas matérias-primas [arroz e
lentilha] ajudou a difundi-lo, sobretudo em períodos de conflitos
sociais e guerras", relata Jamal.
A vida fora de Nablus
Qual força maior, a não ser a
saudade do cheiro da fritura do
falafel, o bolinho de fava e grão-de-bico, entre tantos outros, levaria um dermatologista, graduado
em história e geografia, a investigar a gastronomia árabe?
"Eu sai de Nablus e fui para Barcelona. Em poucas semanas senti
saudade dos aromas palestinos: as
comidas, as azeitonas, os azeites,
o ar puro. Com a intenção de recuperar um pouco desses aromas,
comecei pela comida. Não tinha a
menor idéia do que era cozinhar,
mas a necessidade é a mãe das invenções", conta.
Recepcionado no porto da cidade de Gaudí por compatriotas, Jamal ficou surpreso: em vez de ouvir perguntas sobre a guerra civil
entre palestinos e jordanianos, se
viu diante de uma discussão nostalgica (e insólita) sobre falafel e
homus. "Parece mentira, não?
Mas é assim. As notícias são ouvidas e lidas em todos os lugares, a
toda hora, e não ocorre o mesmo
com a saudade dos aromas.
Quando você passa um tempo
sem senti-los e, de repente, topa
com eles, se emociona", explica.
Nos anos 70, para aplacar a nostalgia, Jamal e outros estudantes
árabes tentaram inúmeras vezes
fazer autênticos menus da região.
Por falta de noção culinária e ausência de matérias-primas essenciais no solo europeu, tudo o que
conseguiam eram "semicomidas"
árabes. Sem saber nem mesmo
como responder às solicitações
dos espanhóis, interessados no
preparo de pratos típicos de sua
terra, a cada visita que fazia aos
países árabes Jamal tratava de se
abastecer de receitas tradicionais.
Um homem árabe querendo
aprender a cozinhar? Não bastasse o olhar e as reações de desconfiança ao interesse de Jamal pela
gastronomia, os relatos das mulheres cozinheiras eram, ao menos no início, acompanhados pelos maridos ou irmãos destas.
"Quando os homens descobriam que o que me interessava
era a cozinha, ficavam tranqüilos
e me deixavam sozinho com elas,
acreditando que eu era gay
-porque cozinha [nos países
árabes] é coisa de mulheres, não
de homens", diverte-se.
As fotos desta reportagem foram feitas
no restaurante Arabia (r. Haddock Lobo,
1.397, tel. 0/xx/11/3061-2203)
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