São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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NOVELA/"FERIADO DE MIM MESMO"

Para Nazarian, livro não é diversão

MARÇAL AQUINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não se deixe enganar pelo título: "Feriado de Mim Mesmo" é árduo como um dia útil. Em sua terceira novela, o paulista Santiago Nazarian se mantém fiel à idéia de que sua literatura deve ser espaço para reflexões e questionamentos, nunca fonte de diversão para os leitores. Uma literatura em que a palavra felicidade não é usada com muita freqüência. Uma espécie de existencialismo pós-moderno, no qual o cinema francês deu lugar à internet.
"Feriado de Mim Mesmo" é um mergulho radical num cotidiano de ar viciado, uma estufa mefítica onde se cultivam flores como a solidão, o individualismo e, acima de tudo, a paranóia. Flores destes nossos tempos. É um mergulho sem rede, mas o risco não parece impressionar este jovem autor, que, ao lado do carioca João Paulo Cuenca ("Corpo Presente"), é uma das vozes mais interessantes entre os novíssimos escritores surgidos nesta década.
Se tanto seu livro de estréia, "Olívio" (premiado pela Fundação Conrado Wessel), quanto a obra seguinte, o contundente "A Morte Sem Nome", chamaram a atenção pela linguagem e pela habilidosa construção de tramas a partir dos personagens, "Feriado de Mim Mesmo" mostra que Nazarian busca avançar sem temor com sua proposta. A diferença é que, neste caso, ele dá voz a um único personagem, um tradutor com veleidades de escritor, que vive trancado num apartamento, a sós com seus pensamentos, angústias, neuroses e obsessões. Sobre esse universo fechado, hermeticamente blindado contra os alaridos do mundo externo, paira o tempo inteiro a desconfiança de que tudo pode não passar de um processo de degradação mental.
Um território de repetições, tédios e temores, com uma atmosfera tão rarefeita que, às vezes, até o autor parece perder o fôlego. Isso acontece nos momentos em que a estratégia de reiterações soa exagerada e enfraquece e ameaça tornar enfadonha a narrativa. Momentos em que a linguagem serve mais para informar do que para constituir. O que é agravado pelos irritantes descuidos da revisão, que deixou passar até mesmo um "massante" no texto (convenhamos: nada mais maçante, para o autor e os leitores, do que os cochilos de um revisor).
São problemas que comprometem ritmo e equilíbrio de "Feriado de Mim Mesmo" e o tornam uma narrativa irregular. Quem persistir, porém, será recompensado: em seu terço final, a novela ganha outra dimensão e vigor inesperado, revelando sua verdadeira natureza. Um thriller claustrofóbico.
Embora não chegue a decepcionar, o livro não tem o mesmo poder de encantamento dos anteriores de Nazarian. A capacidade do autor em manejar com originalidade um gênero tão pouco afeito a inovações como o thriller é uma qualidade inegável do livro. Não a única. Nazarian se utiliza do "eu" para lançar pistas falsas e verdadeiras sobre o "outro", exercitando um jogo de identidades fascinante. Afinal, como diz o argentino Ricardo Piglia: "Também os paranóicos têm inimigos!".


Marçal Aquino é escritor, autor de, entre outros, "Cabeça a Prêmio".

Feriado de Mim Mesmo
  
Autor: Santiago Nazarian
Editora: Planeta
Quanto: R$ 32 (158 págs.)


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