DA REPORTAGEM LOCAL

Alô, criançada, o circo fechou. Onde está agora a fantasia?
O peso da existência enverga os personagens de "O que Você Foi Quando Era Criança", espetáculo que lança um novo grupo teatral, a Cia. da Mentira, e também o escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli como dramaturgo.
Desempregado, o palhaço bate à porta do primo em busca de abrigo. Leva consigo sua Mulher Invisível de carne e osso, tão nômade e despojada quanto ele.
O casal anfitrião, classe média, arma uma pequena festa de boas-vindas. Chama outros amigos. Fica-se sabendo que o primo foi convidado a entrar num programa de demissão voluntária e pretende abrir um café. Sua mulher tem medo de tudo, anda histérica com uma gripe hemorrágica.
Uma professora relata o choque com um adolescente que lhe empurra verdades goela abaixo na sala de aula. Seu marido, escritor, queria deitar as suas num livro. No mesmo encontro (desencontros?), uma outra mulher tenta se esquivar da velhice a todo custo, inclusive fazendo de conta que a morte não lhe apanhará graças aos avanços da medicina.
"É uma peça de personagens", diz a co-diretora Gabriela Flores, 30. Redunda de propósito para reforçar os tipos que saltam ao primeiro plano no texto de Mutarelli.
O outro diretor, Donizeti Mazonas, que também está no elenco, diz que a primeira versão do autor era generosa na descrição, o que alimentava as relações dos personagens. "A partir daí, criamos a ação propriamente dita da peça, trabalhamos a dramaturgia em cima da história que o Lourenço escreveu", diz Mazonas, 40.
São situações densas, algumas com fundo filosófico, mas resultam um espetáculo que se quer engraçado, observa Flores. Uma arena de comédias, dramas, tragédias. Espelho da obra de Mutarelli, cujos heróis ou anti-heróis estão metidos em casos burlescos, fracassos e inseguranças de um mundo ficcional (?) antiético.
A estréia põe em perspectiva, indiretamente, o trabalho do Centro de Pesquisa Teatral, que Antunes Filho dirige. Flores, Mazonas e outros cinco atores passaram pelo CPT. "Foi a escola da maioria, mas procuramos nossa identidade", diz Flores. "Pensamos: por que não nos juntarmos, já que temos um vocabulário comum?", diz Mazonas. O grupo é formado por Daniela Smith, Donizeti Mazonas, Gilda Nomace, Marcelo Meniqueli, Priscila Luz, Raissa Gregori e Ricardo Kakimoto.