São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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NINA HORTA

Robalo subindo o rio


Perfeição e bacalhau, pirão, pescada na folha de bananeira, tudo bom e bom e bom


ESTIVE AQUI em Camburi há muitos anos para dar nota ao restaurante Manacá, num concurso de melhor chef ou melhor restaurante, já nem me lembro.
Foi passeio de cachorro magro, comer e ir embora num pulo, mas impliquei com as garçonetes descalças, dando passinhos miúdos, vestidas de quê? Impliquei um pouco com a cidade, um ar "fake" de Bali, lojas e comidas tailandesas, não entendi nada. Mas, claro, adorei a comida do Manacá, todo mundo gosta. Pela internet, nesta semana antes da Páscoa, filho e nora escolheram uma pousada aqui, gesto temerário.
Quem lembra do seriado "Absolutely Fabulous", no qual as duas malucas alugam uma casa na Provence e confundem tudo, passando o mês na edícula do castelo, pensando que era o que haviam alugado? Tivemos sorte. Camburi que na Wikipedia pode ser "robalo subindo o rio". Canto do Camburi é uma pousada pequena, bonita, de bom gosto, caseira e chique, "shabby chic", como diriam os ingleses, cara de vívida, limpíssima e acolhedora.
Administração impecável, como se fosse muito fácil supervisionar tudo. Discreta. Café da manhã ao ar livre, estamos soltos para o mar ou a piscina. João Ratão caiu na panela de feijão, e nós, em plena bouillabaisse, nada do que é marítimo nos será jamais estranho. Interessante o número de bons restaurantes num lugar tão pequeno, e os nativos já dizem que é o polo gastronômico do litoral inteiro. Estamos sendo cevados al mare. Lulas, siris, pescadas brancas, peixes enrolados em banana, papillotes, caldeiradas. Há um restaurante novo à beira-mar que não resolveu se chamar Pitanga ou Pitangueiras, que tal Pitangá? Coisa mais bonita a parte ao ar livre, junto da água e do céu, e a comida já é boa. Escuro, também. Mesmo com lua. E dá-lhe robalo, budião, vermelho, lula.
A maioria dos restaurantes, das pousadas, é enfiada no mato. Aliás, Camburi merece uma poda gigante para clarear o caminho e as noites. E ainda sobraria muito mato. Mesmo no escuro de breu continuam as garoupas, linguados, polvos, camarões.
Em plena rua um encontro fortuito. Um casal de amigos nos convida para almoçar, na casa linda, também incrustada no mato, mesa no terraço debaixo de árvore poderosa enfeitada de tiê-sangue e maritacas verdes e periquitos azuis. É possível? Pois por lá existem, e mais um cachorro, um gato e, de quando em quando, um bicho preguiça.
Quem cozinha é o Marcelo, Veronica enfeita. Tenho que confessar a inveja que sinto do Marcelo. Cozinheiro que produz um jantar de uma hora para outra, sem frescura, sem ansiedade. Do jeito que deve ser. Comida não aguenta muita zoeira. Entradinhas mil, caipiras? Vinho escolhido para cada prato? Pão de nozes, alecrim, ciabattas? Nada disso. Comida honesta, um bom prato, espaguete com enormes camarões, o vinho, a água.
Na sobremesa, uma barra de chocolate muito amargo -e pronto. Você come, conversa e sai de cabeça e barriga leves. Pois não é que me entusiasmei tanto com o casal que já ia me esquecendo do Edinho Engel e do Manacá? Foi ele, com certeza, que começou essa onda de perfeccionismo na comida e no ambiente por estas bandas.
Tudo igual, melhor até, porque as meninas estão vestidas normalmente e já não andam aos saltinhos. Lugar lindo, no meio do mato para variar, uma van surrealista para atravessar uma ponte no nada, mas uma boa ideia, principalmente para dias de chuva. Perfeição e bacalhau, pirão, pescada na folha de bananeira, tudo bom e bom e bom, serviço ótimo, naturalidade.
Camburi, robalo subindo o rio, robalo descendo o rio, rio que muda, que sobe e desce, não importa, contanto que a alguma altura o robalo caia dentro da panela.

ninahorta@uol.com.br


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