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COMIDA
Quem não arrisca não petisca
Cozinheiras de bares cariocas vão além do trivial e inventam salgados até com feijoada
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
O marido de Alaíde Carneiro
de Lima já se habituou. Ela costuma dar uns saltos da cama de
madrugada, pegar uma caneta,
fazer anotações no escuro mesmo e voltar a dormir. São receitas que lhe vêm à cabeça durante os sonhos, já com porções e
modo de preparo, segundo diz.
Com esse apoio do inconsciente e suas mãos especiais, Alaíde
não para de arriscar, marca de
sua fama de quituteira.
"Não gosto de copiar ninguém. Prefiro que me copiem,
porque é prova de que a ideia
foi boa", orgulha-se.
Várias de suas novidades estão no cardápio do Chico &
Alaíde, bar que abriu no último
mês e já é sucesso no Leblon,
zona sul do Rio. Ela é da estirpe
de cozinheiras de botequim
que não se contentam só com o
feijão-com-arroz, ou melhor,
com os bolinhos de bacalhau e
croquetes de carne.
Mineira de Pirapora, Alaíde
chegou ao Rio em 1975 e foi trabalhar numa casa de família.
Aprendeu a fazer doces e salgados tão bem que logo passou a
vendê-los por encomenda.
Em 1984, assumiu a cozinha
do Bracarense, um dos botequins mais badalados do Leblon. Inventou um bolinho de
aipim com camarão e catupiry
que, para sua satisfação, foi fartamente copiado. Entre outros,
também criou uma empadinha
de bobó de camarão.
No ano passado, largou o bar
famoso para realizar o sonho de
ter sua própria cozinha. Juntou-se a Francisco das Chagas
Gomes Filho, o Chico, 41, cearense que era porteiro do prédio de Alaíde até ser levado por
ela para o Bracarense, em 1991.
Logo ele se tornou um dos garçons mais populares do Rio.
Alaíde estreou em seu novo
endereço inventando até uma
palavra: totivendo. Assim se
chamam os "escondidinhos
abertos" que ela serve em pequenas tigelas. Podem ser de
carne-seca, camarão com catupiry, estrogonofe de carne e até
de feijoada. "A ideia é mostrar o
que está dentro de um escondidinho", resume.
Ela não gosta de dar detalhes
sobre suas criações. Para ceder
à Folha a receita do bolinho de
abóbora, outra novidade, reclamou. Está guardando tudo para
um livro de receitas que vem
preparando. Diz que já tem
500, e parte das inéditas será
testada no seu bar.
"De três em três meses quero
pôr coisas diferentes no cardápio", promete ela, cuja vaidade
impede de revelar os anos de
vida. "É segredo de Estado."
Bolinhos para Troisgros
Dois dias após a inauguração
do Chico & Alaíde, Kátia Barbosa, 47, do Aconchego Carioca, viveu um momento de glória: serviu seus bolinhos de feijoada no casamento do renomado chef Claude Troisgros. O
francês radicado no Rio estendeu a seus convidados o prazer
que sentira ao experimentar a
-por enquanto- mais famosa
invenção dessa carioca.
O petisco surgiu no ano passado por acaso. Frustrada com
um bolinho de feijão comido
em Belo Horizonte, ela resolveu criar o seu. Também usou
carne-seca, e um fã comparou:
"Parece feijoada". Aí ela incrementou com couve (dentro do
bolinho), torresmo (fora) e batida de limão.
"O principal foi ver que o bolinho funcionava congelado.
Depois que esquenta, fica crocante. Eu tive que fazer na hora
noutro dia e ficou oleoso", conta ela, cujo bar, também conhecido pela variedade de cervejas,
funciona numa ruazinha da
praça da Bandeira, área pouco
glamourosa da zona norte.
O bolinho ficou em segundo
lugar no concurso de tira-gostos do festival Comida di Buteco, em 2008. Perdeu para o rolê
pelo subúrbio, como foi batizada a invenção de Carlos Henrique Cadinha, sócio do Original
do Brás, de Brás de Pina (zona
norte). É um bife rolê com cenoura, pimentão e bacon cozido na cerveja escura sobre barquetas feitas de fubá. Um petisco tão criativo que deixou uma
certeza para o Comida di Buteco deste ano: Cadinha terá que
arriscar muito para se superar.
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