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RECEITAS DO MELLÃO
Os quitutes do major Synésio
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
Em prístina época, conheci o
major Synésio Vilella num encontro de euclidianos em Americana
(SP). Desde então, recebo mensalmente suas saborosas missivas.
Temos algumas divergências por
ele ser positivista ferrenho, mas
nada que a sensatez não possa sublimar.
Homem de tirocínio, destacou-se como soldado, médico e fazendeiro. Hoje, se dedica ao estudo
dos textos apócrifos da "Bíblia",
além de cultuar "Os Sertões", cujas páginas sabe de memória.
No início de junho, recebemos
um telegrama intimando-nos a
comparecer em suas terras para a
festa de Santo Antônio. A questão
é que ele tem três filhas solteiras já
bem passadas dos 50 (com enxovais plenos de naftalina), e Synésio não quer desencarnar sem vê-las de anel na mão esquerda.
Chegamos lá no dia 13, com a
festa já armada. Synésio é um ser
canicular e em segundos nos mesclamos a centenas de anos de memórias: os moleques tentando alcançar o saco de moedas no pau
de sebo, a fogueira de 12 metros
de altura, outra menor, para o salto dos mais atrevidos. E as pessoas se chegando ao enorme mastro de Santo Antônio para receber
o pão bento do padre jesuíta.
Os caipiras travestidos de caipiras se divertiam com os dançantes
do cateretê, marcando o ritmo
com palmas.
Mas confesso que o prazer
maior foi o de nos esbaldarmos
nos quitutes preparados pelas doceiras: compotas de cambuçá, cagaíta, guariroba e araçá; doces de
jenipapo, umbu e uvaia; bolos de
fubá com erva doce, de coco com
milho verde e de mandioca. A biscoitada incluía brevidades, mentirinhas e bolachas de pinga.
Para beber, cachaça com cambuci, sucos de feijoa, cabeludinha,
cajá, abiu e mangaba. Licores de
gruximana, de pitanga e de jabuticaba branca prometiam rebater
os excessos.
Estranhei a ausência de rojões e
sanfoneiros. Synésio me explicou
que o estrondo dos fogos perturba a manutenção do "pax" original e os gaiteiros (como ele diz)
"manguaçam muito e querem fazer vergonha nas mulheres".
Finalmente chegou o aguardado violeiro, e a festa se aquietou
em torno dele, de seus repentes e
da poesia roceira. O tempo passou, até que se ouviu o canto de
um galo pedrês anunciando que a
noite já era defunta.
Despedimo-nos ainda estupefatos diante de tanta belezura, deixando para trás lavouras de sonho adubadas com bombas de estalo e fogos de artifício.
Trouxe comigo, anotadas, algumas quadras do violeiro Boca Rica, que faço questão de reproduzir aqui:
"A vida da gente pobre
padece, não tem altura.
A vida da gente rica
arregala e tem fartura."
Quer tentar os doces? Junte um
quilo de polpa de fruta com 900 g
de açúcar, leve ao fogo, mexa até
dar ponto, espere esfriar, ponha
em potinhos, guarde em geladeira
e espere 13 de junho chegar.
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