São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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CINEMA "O GRANDE LEBOWSKI"
Filme apresenta as duas faces da América segundo os irmãos Coen

FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local

Há duas maneiras de ver "O Grande Lebowski", novo filme dos irmãos Coen (Joel, diretor e roteirista, e Ethan, produtor e roteirista), o primeiro após o sucesso de "Fargo", que lhes deu o Oscar de roteiro original. Como uma louca, divertida e estilizada viagem psicodélica pelos anos 70 ou como um retrato crítico e estilizado da sociedade americana dos anos 90. Ambas são excludentes.
O que as aproxima é o estilo inconfundível dos Coen. A produção cuidadosa e bem-acabada, tão integrada ao roteiro que mais parece um personagem do filme, com coisas a dizer; os enquadramentos originais, os movimentos de câmera surpreendentes, o domínio absoluto da técnica cinematográfica que, mesmo calcada na tradição do cinema, sempre parece inédita a quem assiste.
Há em "O Grande Lebowski" os personagens caricaturescos, com seus sotaques e bordões característicos, o enredo de sequestro de "Arizona Nunca Mais" e "Fargo", a trama fugidia, feita de reviravoltas, marca da filmografia dos Coen. E algumas ousadias a mais.
A começar pelo anti-herói, Jeff Lebowski (Jeff Bridges), que prefere ser chamado de Dude e é apresentado por um narrador misterioso, que pronuncia Los Angeles como Los Angueles, como ao símbolo do homem comum, típico morador da cidade.
Dude não trabalha, fuma maconha o dia todo, usa camiseta, calção largo, chinelo e é fissurado por boliche. Seus únicos amigos são Walter (John Goodman), um impulsivo veterano do Vietnã, e Donny (Steve Buscemi), figura apática que nunca consegue terminar uma frase sequer.
Pois bem, um certo dia Dude é confundido com outro Lebowski, cuja jovem esposa está devendo fortunas para vários pilantras da cidade, e brutalmente agredido pelos seguranças de um desses credores. Um deles urina no tapete de Dude, "que combina muito bem com a sala".
Convencido por Walter, Dude decide tomar satisfações com o outro Lebowski sobre o tapete e acaba envolvido no suposto sequestro da devedora, com a filha dele, a feminista Maude (Julianne Moore), com um ator pornô com quem a jovem esposa ganha uma graninha a mais, com o produtor dos filmes, fora um garoto que rouba seu carro e uma maleta com US$ 1 milhão.
Entre as baforadas de maconha, uma irritante apatia e as várias surras, Dude "viaja" em tapetes voadores, dança num musical inspirado em Busby Berkeley e entra numa bola de boliche, em sequências hilárias.
Quem embarcou na viagem psicodélica já se deu por satisfeito, deliciado com o humor nonsense e a inconsequência do filme. Quem quer a versão ácida e crítica também está bem servido.
Dude é o tipo acabado do americano ensimesmado, alheio a tudo que se passa a sua volta, inclusive a Guerra do Golfo, cenário político do momento. Não é à toa que seu alter ego, o milionário Lebowski, o chama de vagabundo derrotado, embora ele próprio, do alto de sua rigidez, se deixe seduzir por uma vagabunda.
Para o alucinado Walter, judeu por adoção, tudo acaba em Vietnã, uma alusão a um dos maiores traumas sociais da América. O apático Donny é tão covarde que sofre um infarto com a mera ameaça de levar um soco.
Há ainda Maude, a mulher moderna à procura de um homem sadio para fecundá-la, e o impagável Jesus (John Turturro), pervertido sexual que transforma o ato de jogar boliche num verdadeiro coito. É só montar o quadro da sociedade americana atual.
O escorregão dos irmãos Coen foi não conseguir tornar compatíveis essas duas perspectivas de "O Grande Lebowski". Quem embarca na viagem psicodélica regala-se por 40 minutos, quem reconhece a crítica, pelos outros 40 minutos, e ninguém se satisfaz.
Há uma terceira possibilidade, de os Coen, como o trio de vilões niilistas de seu novo filme, não estarem nem aí, apenas se divertindo fazendo o que gostam de fazer, cinema de estilo. Você decide.


Avaliação:   

Filme: O Grande Lebowski Produção: EUA, 1998 Direção: Joel Coen Com: Jeff Bridges, John Goodman Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes - Carmen Miranda, Cinearte 2 e Lumière 1

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