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"O Príncipe", que o diretor Ugo Giorgetti lança hoje, revê na São Paulo atual a trajetória de um grupo de jovens dos anos 60, como "uma promessa que não se cumpriu"
A geração da náusea
Divulgação
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Eduardo Tornaghi e Bruna Lombardi, que protagonizam "O Príncipe"; personagens lembram pessoas da cena cultural de SP |
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DA REPORTAGEM LOCAL
"Bem-vindos a São Paulo." Na
voz de uma aeromoça, essa é das
primeiras frases que se ouvem em
"O Príncipe", longa que o cineasta
Ugo Giorgetti, 60, lança hoje. "Como a sra. classificaria um funeral?" é a última sentença do filme.
O aeroporto é ponto de chegada e
de partida da narrativa, que inclui
também um apagar das luzes.
Entre a exclamação inicial e a
indagação que o encerra, o novo
título do diretor de "Festa" e "Sábado" traça um painel impiedoso
da maior metrópole brasileira e
de uma extração social que a habita (a classe média).
A história repassa a vida de um
grupo de amigos que o auto-exilado Gustavo (Eduardo Tornaghi)
reencontra no retorno de duas décadas vividas em Paris.
Habituado a ver o mundo da janela, ainda que imaginária, Gustavo se define como "o príncipe
da náusea".
Na entrevista a seguir, o cineasta
Giorgetti, que sempre filma os
próprios roteiros, fala sobre essa
crônica de "uma geração que está
indo para o diabo que a carregue
com certa classe".
(SILVANA ARANTES)
Folha - O sr. teve a intenção de
traçar em seu filme um retrato especialmente amargo para quem vive em São Paulo?
Ugo Giorgetti - O filme não faz
nenhuma revelação sobre São
Paulo que qualquer pessoa sensível ainda não tenha visto e sofrido. Evidentemente a intenção não
é fazer as pessoas sofrerem mais
do que já sofrem. Mas era importante que se mostrasse a cidade
pelo menos tal qual ela é.
A cidade é um elemento do filme e talvez não o principal, que
são as pessoas. A cidade influi sobre elas, mas acho que São Paulo
aparece por decorrência. Longe
de mim fazer um documentário
sobre a cidade. Queria um filme
mais complexo.
Folha - "O Príncipe" tem características de filme geracional. Ele pode ser compreendido como um
acerto de contas com sua geração?
Giorgetti - Se me incluir entre
eles, sem dúvida. Não gostaria
que fosse um filme que dissesse
"olha como eles são", mas que
dissesse "olha como nós somos".
Ao contrário de muita gente,
não acho que essas pessoas sejam
derrotadas. Fazer um balanço e
ele não corresponder ao que se esperava na primeira juventude é
uma consequência da vida. Principalmente porque, na primeira
juventude, você sonha muito e
muito alto, desmesuradamente.
Especialmente para essa geração, a coisa é mais complicada,
por se tratar da geração mítica dos
anos 60. E de uma geração que sonhava de maneira delirante. Pretendia mudar o indivíduo por
dentro, o comportamento, a cidade, o país e o mundo.
O tamanho do sonho era insano. Então fica um travo muito
maior quando você faz um balanço e vê que isso não aconteceu.
Folha - Além de diferente do imaginado, o resultado desse balanço
não é desesperançado ao revelar
uma rendição à mediocridade?
Giorgetti - Num certo sentido,
sim. Mas todos os personagens
têm consciência de suas vicissitudes. Inteiramente desesperançado só há um personagem, que se
suicida. É o elo mais frágil da corrente. Se você perder a esperança
literalmente, tem de se matar.
Tomar uma providência, ainda
que banal, como a que o [personagem principal" Gustavo toma,
de ir para Paris, já é uma atitude.
O único desesperançado é o que
se mata. O resto vai levando.
Aliás, é uma geração que está indo
para o diabo que a carregue com
uma certa classe. É a última geração francesa. Então vai indo embora à francesa . Mas, sinceramente, sou uma péssima pessoa
para interpretar o filme. Aceito
qualquer interpretação. Por isso
deixei alguns vazios propositais.
Folha - O filme tem personagens
reconhecíveis na vida cultural paulistana e outros que podem ser encarados como personagens de si
mesmos. O maestro Julio Medaglia
aparece com sua própria identidade, Bruna Lombardi interpreta
uma mulher belíssima que não teve sucesso na tentativa de uma carreira literária. É um recurso de referências em camadas?
Giorgetti - Não mesmo. O Julio
foi uma presença de última hora.
Não ia chamá-lo e chamei-o porque é uma figura muito interessante. Com toda franqueza, eu tinha me esquecido completamente do livro da Bruna. Foi um acidente, até porque não colocaria
um ator nessa situação.
Hoje, vendo retrospectivamente, acho que os dois tiveram muita
coragem, muita disponibilidade,
e nunca aludiram a isso.
Em "petit comité", você pode levantar dez nomes reais para o
personagem de Marino Estevez e
250 para o do jornalista. Há uma
série de pessoas reconhecíveis.
Mas fazer um filme "à clé" é rebaixá-lo a instância muito ruim. Ele
se torna um divertimentozinho.
Talvez até seja. Ou talvez seja menos que isso. Mas eu não queria
que ficassem pensando: "Será que
esse é o fulano de tal?".
Isso seria perder a perspectiva
do filme. São personagens. Claro
que há similares a eles por aí, mas
acho que são pessoas menores do
que meus personagens. Marino
tem uma solidariedade, ainda que
canhestra. Ele não perdeu a humanidade. Conheço pessoas desse ambiente que não têm nenhuma humanidade.
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